A iluminação cênica, embora seja apenas um dos elementos formadores do conjunto de uma obra, pode ser considerada arte visual. Isso faz com que tenhamos que pensar sua manifestação física e, portanto expressiva, em termos de “linguagem visual”.
Muitos artistas e teóricos da comunicação procuraram e procuram definir cores e formas como conceitos de linguagem, dessa mesma linguagem visual de que falei anteriormente. Vendo dessa forma, poderíamos pensar então que esses elementos visuais, se realmente conhecidos e bem aplicados, fariam parte de um imenso “alfabeto” que possibilitaria aos artistas a comunicação de idéias, sensações e sentimentos, de uma maneira mais racional, com mais entendimento.
Mas não devemos também esquecer que a comunicação só se dá de maneira legítima quando as partes emissoras e receptoras conhecem os códigos de determinada linguagem, ou seja, não adiantaria de nada o artista conhecer o código se seu público fosse “analfabeto”.
Quando somos crianças e vamos para escola, nossos pais e professores ficam muito satisfeitos e felizes quando conseguimos escrever e entender as primeiras palavras. Pronto! Estamos preparados para o mundo! Mas será que estamos mesmo?
Num mundo que utiliza a linguagem visual para informar e desinformar suas criaturas, as quais aprendem cerca de oitenta por cento de tudo o que sabem através do sentido da visão, nosso treinamento parece não ter sido muito completo. Alguém aí já ouviu um professor, um pai ou uma mãe falar sobre a agudeza de um triângulo e de como sua forma é mais ríspida e provocante do que um círculo ou uma esfera? E como esse mesmo triângulo quando preenchido de uma cor amarela brilhosa fica ainda mais provocante do que se fosse preenchido com um azul cálido?
Você mesmo já pensou sobre o assunto? Já percebeu porque a propaganda utiliza mais algumas cores e tons do que outras? E como essas cores e formas se modificam em relação ao produto que está sendo anunciado? Em relação ao público que quer atingir?
Pois é, somos na maioria, analfabetos visuais e, por não conhecermos esse alfabeto como deveríamos, passamos pela vida recebendo milhões de informações diariamente sem ao menos questionarmos a sua validade e suas escondidas intenções. Ficamos à mercê de nossos instintos, pois também aí as cores nos fazem vibrar. De uma maneira mais básica, mas mesmo assim, vibramos. Nessa vibração, sem entendimento da profundidade, perdemos as rédeas de nossa lógica, de nossa vontade.
Mas se não entendemos o alfabeto e, necessariamente para que a comunicação funcione, sempre será preciso que emissor e receptor falem a mesma “língua”, porque então nos preocuparmos com as informações veladas ou mal intencionadas do emitente, já que não entenderemos mesmo?
Porque a informação velada do emitente sempre se dará num nível abaixo da nossa capacidade de entendimento consciente. Assim sendo, o que funcionará será apenas o inconsciente. Legal não é mesmo? Viveremos sonhando e achando que a nossa realidade é só aquilo que achamos que é. Não entenderemos a profundidade do mundo, quanto mais a da arte!
Se somos então, quase todos analfabetos visuais, precisamos urgentemente mudar essa situação! A atualidade nos força a pensarmos seriamente no fato de que, se quase tudo o que aprendemos entra pelos nossos olhos, então precisamos saber filtrar o que aprendemos. Nada melhor então do que começarmos agora mesmo nossa viagem em busca desse conhecimento. Mas como poderemos fazer isso?
Ora, através da busca consciente dos significados das imagens do mundo! Não digo apenas as imagens da natureza, mas todas as imagens do mundo. Para e olhe! Não apenas olhe, veja! Esse é o sentido da apreciação da arte. O caminho é difícil porque estamos acostumados apenas a “olhar” e não damos conta que temos que também “ver”. E “ver” significa perdermos o nosso precioso tempo, porém, se não fizermos isso, não teremos condições de “apreciarmos” a vida, quanto mais a arte!
Os registros visuais, sejam quais forem, estão sempre ligados às formas, que por sua vez, são carregadas de conteúdo. Juntas, formam as composições, linguagem que utilizamos para comunicar nossas idéias, ideais e interesses.
Muita gente me escreve pedindo fórmulas para tratar a luz de determinado espetáculo, cena ou show. Isso mostra o desentendimento da linguagem, da sua complexidade.
Não existem fórmulas prontas para a composição de determinados efeitos e, portanto, para a criação de determinados sentimentos e emoções Todos os elementos das cenas estão interligados. Não existe vermelho para as cenas que queiram trazer imagens infernais ou de grande sensualidade. Assim como os azuis não foram feitos apenas para as noites de luar. Isso são fórmulas que às vezes funcionam, outras vezes não. O mais importante é “saber” que determinada cor ou forma da luz dentro do contexto maior irá fortalecer uma determinada expressão, ou não.
Mas como saber? Essa realmente é a grande busca dos artistas visuais. A própria busca não tem fim e a arte torna-se com isso um campo infinito de pesquisa e descoberta. O que devemos ter em mente é que não existem fórmulas prontas. Não existem atalhos. Dessa forma, o que importa é nosso inteiro comprometimento com esse universo dinâmico.
Sempre procuro despertar nas pessoas que querem trabalhar com iluminação o interesse pelas artes pictóricas. O estudo das obras dos grandes mestres da pintura pode facilitar nosso estudo e diretamente nossa relação e entendimento das cores e das formas, além é claro, de contribuir para o entendimento desses elementos quando dentro de um contexto maior, do conteúdo subjetivo dessas obras.
Devemos saber também que a arte da iluminação é muito mais complexa que a arte da pintura bidimensional, a dimensão tempo e a tridimensionalidade aumentam sobremaneira esses níveis de complexidade. E isso não é tudo! Num quadro pintado não escutamos os sons, não temos que nos preocupar com as nuances de representação, etc.
Para concluir, procuro também, na medida do possível, alertar os interessados pela iluminação, de que nosso trabalho não é nem apenas iluminar e nem apenas ser a estrela do show. Devemos ser solidários para não perdermos o melhor: o espetáculo!
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