13 maio 2006

ARTE E ILUMINAÇÃO




Os desenhos de iluminação de palco, sua pesquisa, concepção e execução, possuem características próprias de desenvolvimento e uma poética própria que transforma os elementos constitutivos destas ações em signos visuais. Designers de iluminação se vêem constantemente utilizando a arte pictórica como material de referência em seus trabalhos a fim de materializar suas concepções imagéticas. Nesse quadro pode-se prever a influência das artes pictóricas sobre o trabalho desses profissionais, porém, a iluminação no palco não é ela mesma o objetivo final do espetáculo, mas a condutora da expressividade visual do todo orgânico em que se insere.
Sabe-se também que o paralelo que se pode fazer entre a iluminação e a arte pictórica é incompleto quando esta relação é tomada literalmente, basta observar as características estáticas de uma com a dinâmica de outra, ou seja, na arte pictórica a luz fundamenta uma parcela da realidade visual recortada do universo temporal, enquanto no palco produz ela mesma movimentos nesse universo. Em outras palavras, a iluminação de palco pode utilizar as ferramentas pictóricas, porém sua resultante não é uma arte pictórica. Essa questão é tratada aqui como valor estético da iluminação.
Pode-se conceituar o desenho de iluminação como sendo “A arte ou o trabalho manual de criação visual no meio ambiente através da sua iluminação ”, ou seja: a expressão criativa através da luz e suas propriedades, seja ela no palco, na arquitetura na decoração ou em quaisquer outras manifestações onde uma poética qualquer é exigida. Para (WILLIANS, 2003) “O desenho de iluminação de palco pode ser definido como o uso da luz para criar o senso de visibilidade, naturalismo, composição e modo (ou atmosfera)”.
Desenho de iluminação ou design de iluminação é o termo que indica tanto o estudo e criação dos elementos poéticos de um projeto, como também os elementos técnicos envolvidos na criação de esboços, planilhas, confecção e materialização de mapas.
Quando se pensa na iluminação de palco como arte, obrigatoriamente pensa-se nos designers de iluminação como artistas. Para isso, se faz necessário em primeiro lugar uma certa separação do que seja arte e não-arte, ou do que seria um artista ou um não-artista em sua área de atuação.

Segundo PAREYSON (1989) , existem três definições tradicionais de arte:

“A arte como fazer, como conhecer ou como exprimir. As definições mais conhecidas de arte, recorrentes na história do pensamento, podem ser reduzidas a três: ora a arte é concebida como um fazer, ora como um conhecer, ora como um exprimir. Essas diversas concepções ora se contrapõe e se excluem umas às outras, ora, pelo contrário, aliam-se e se combinam de várias maneiras. Mas permanecem, em definitivo, as três principais definições de arte.

Tendo a iluminação de palco características próximas às das artes pictóricas por suas relações com as formas, as cores, as luzes e as sombras, deve-se então observar que os artistas que através delas se exprimem utilizam esses recursos para suas expressividades. Pode-se ter um exemplo da utilização desses recursos e do modo como os profissionais criativos do teatro ou mesmo das artes plásticas utilizam a iluminação através das interpretações das funções da luz, nas obras de arte pictóricas de artistas consagrados. É o caso, por exemplo, de Gianni Ratto quando observa numa obra do mestre Rembrant nuances de iluminação e o deslocamento dessas nuances para o palco, e intui que:

“Nesta obra é fácil constatar que a luz se origina da auréola que envolve a cabeça de Cristo, criando uma atmosfera de luminescência dourada e invadindo equilibradamente todos os espaços, dando inclusive evidência ao próprio Cristo. A escuridão do grande nicho que praticamente contém as quatro figuras ressalta, evidenciando-o, o convívio com o Mestre. No caso de querer realizar no palco uma iluminação desse gênero, deveremos usar independentemente dos aparelhos complementares, uma fonte de luz que, estando atrás da figura central, não invada a região obscura do nicho”.(RATTO, 2001)

Ao se descobrir ou se detectar a diferença ou diferenças entre uma arte e uma não-arte em alguma dessas manifestações, pode-se então num esforço lógico de correlação, transferir conceitos utilizados de uma para a outra, conquanto sejam eles exercícios artísticos diferentes em suas tecnologias, suportes, ferramentas e processos.
Na pintura como não-arte, a relação do trabalho entre o artista e sua obra passa pelo aspecto de padronização, ou seja:

“... quando a atividade foi tão completamente planejada que passa a desenvolver-se conforme um padrão no qual o agente não influi; nesse caso, o progresso da atividade é exatamente o mesmo, independentemente do que pensa ou sente o agente. Cabe enfatizar que isso significa que o agente é não só incapaz de alterar o modo de fazer as coisas, como também não tem nenhuma influência sobre seu início. Ele agiria como operário de uma fábrica completamente automatizada (mas sem robôs) que fabrica a peça de uma máquina: para explicar o produto, menciona-se a atividade do operário, mas não suas intenções. Parece-me claro que não é assim que age o pintor, o pintor como artista” WOLLHEIN (2002)

O ARTISTA DA LUZ

Observa-se daí, que o artista-pintor seria então aquele cuja obra está diretamente ligada a conceitos criativos não-repetitivos, intencionais, cujas funções são determinadas pelos seus momentos expressivos. Essa a grande diferença entre o artista e o não-artista e conseqüentemente, da obra-artística e da obra não-artística.
Um dos paralelos possíveis então entre a arte da pintura e a arte da iluminação será aquele que condiciona a arte da iluminação a intenções de expressividades, não mecanizadas, complexas e únicas em suas características objetivas e subjetivas. Seguindo essa linha de pensamento, o artista de iluminação será aquele que utiliza suas capacidades expressivas intencionalmente na criação de obras artísticas visuais através da luz.
Outra discussão bastante importante que se coloca na essência da própria arte é a antítese que resulta de duas visões opostas que se tem dela. Ou seja, a visão de que a arte, ou as artes, seriam simplesmente figurações espirituais, portanto extremamente interiores, ou a visão oposta, que parte do princípio de que a arte seria um mero produto técnico. Fantasia ou ofício, sonho ou artesanato. Em nosso auxílio, PAREYSON (1989) esclarece que não entenderemos a arte se não sairmos dessa antítese falsa e artificiosa, posto que:

“Reavaliar a espiritualidade da arte, descuidando ou desvalorizando seu aspecto extrinsecativo e físico, significa dispersar a atividade artística nas veleidades do capricho ou na nebulosidade do sonho; insistir na fisicidade da arte, esquecendo o aspecto interior e o caráter espiritual da extrinsecação, significa rebaixar a atividade artística ao tecnicismo do ofício”.E mais ainda quando diz: “Enquanto o aspecto interior e o aspecto extrinsecativo da arte estiverem distintos ou separados, e colocados em sucessão ou até mesmo em oposição, um com respeito ao outro, não deixa de haver o perigo de que um dos dois se absolutize, substituindo completamente o outro, ou absorvendo-o e anulando-o em si. Uma explicação da arte está liga à possibilidade de mostrar como nela, figuração interior e operação executiva, atividade espiritual e extrinsecação física, idealidade e sensibilidade, longe de se contraporem ou de se sucederem, ou de se anularem uma na outra, coincidem, pelo contrário, sem resíduo”.

Pode-se também a partir desses conceitos e leituras observar o caráter genuinamente artístico do design de iluminação, cujos modos de atuação espiritual e material, sugerem o comprometimento entre esses dois princípios do fazer artístico. Os designers se vêem constantemente materializando conceitos espirituais através de seus ofícios, técnicas e ferramentas.
Porém, na iluminação de palco, o “artista da luz” não é o artista único da obra, mas um dos componentes do complexo universo expressivo que é o espaço do palco, seja ele no teatro, na dança, na ópera, nos musicais, nas performances, etc. Outros artistas e outros elementos expressivos caminham num sentido único, caso a obra busque essa consistência harmônica entre esses elementos e, isso não pode ser uma regra, como não pode haver nenhuma regra na arte. Na arte complexa do palco que busca as relações harmônicas com objetivos similares e que almejam equilíbrio:

A iluminação existe no sentido de enriquecer o espetáculo, revelar suas intenções e significados, descrever e configurar os espaços fictícios, traduzir emoções, climas, não como um espetáculo à parte, mas como um dos elementos orgânicos da cena, dotado de características próprias, que vêm acrescentar alguma coisa ao que já existe, oferecendo uma tradução visual que não ultrapassa desnecessariamente, e que não fica a dever. Neste sentido, há de se encontrar um meio-termo entre o que o espetáculo espera da iluminação e o que esta deve oferecer a ele: é o ponto de equilíbrio entre o aspecto referencial da luz e os aspectos emotivo e poético, que trazem, obviamente, a marca pessoal do iluminador.”(CARMARGO – 2000)

Mas a arte do iluminador, ou do designer de iluminação, ou ainda do desenhista de iluminação possui também suas complexidades na execução. Da mesma maneira que o arquiteto não executa a maioria de suas obras, que ficam a cargo de outros profissionais, tais como pedreiros, serventes, mestres de obra, etc, os desenhistas de iluminação não executam necessariamente nem as montagens de seus projetos e nem a operação dos efeitos de movimentação espaciais e temporais da luz nos palcos, ou seja, nos momentos em que a obra está sendo construída em sua condição material e em que está sendo executada como obra de arte ou, melhor dizendo, quando se realiza ao público. Isso faz dela uma atividade que depende de outros profissionais, recursos humanos muitas vezes com capacitação especializada. Eletricistas, operadores de mesa, operadores de efeitos, etc.
Essas atividades têm características próprias dentro dos desenvolvimentos técnicos de um projeto, de uma obra. Apesar de serem diferentes, recebem necessariamente o influxo criativo dos designers, materializando-os. Além disso, essas atividades são necessariamente solidárias entre si, posto que delas dependem não somente a montagem e correção de todos os itens que trarão a obra à sua dimensão material, mas sua correta aplicação e funcionamento durante os espetáculos.
O Designer de iluminação ou lighting designer, o artista da obra feita com a luz sobre outras obras, é aquele cuja experiência está intimamente ligada à aventura estética. Essa aventura, que é a de todos os artistas, técnicos, críticos, historiadores, é aquela em que a experiência prática, a atividade concreta, o fazer material e humano recebe as inflexões e reflexões de sentidos mais elevados, mais subjetivos, na busca de poéticas, de embasamento estético, da beleza.

LIGHTING DESIGN GLOSSARY. MISCHLER, G. http://www.schorsch.com/kbase/glossary/lighting_design.html acesso em: 28 ago 2004.
STAGE LIGHT DESIGN 101
http://www.mst.net/~william5/sld-100.htm acesso em 15 mar 2003

3 comentários:

Miguel Rezende disse...

Parabéns pelo Blog.
Abraço

Valmir Perez disse...

Obrigado Miguel.
Um grande abraço,

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog tá bem bacana...

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