27 março 2013

Luz e Linguagem Visual - Um debate sobre a importância da capacidade de entender os signos, sinais e símbolos


O pesquisador e conferencista americano Jordan Maxwell costuma definir a palavra “oculto”, dentro do contexto semântico das “ciências ocultas”, como algo ou algum conhecimento que foi ocultado, e não como a maioria das pessoas costuma pensar: como algo ou algum conhecimento que não pode ser revelado, dadas a sua complexidade e ininteligibilidade.
É disso exatamente do que tratamos, quando passamos a refletir e questionar sobre tema tão controverso como o da teoria ou teorias da linguagem visual e sobre os meandros que permeiam suas sintaxes. No momento em que observamos como, sistematicamente, nos é suprimido o direito de entender, pelo menos basicamente, que a formação para a compreensão da linguagem visual é assunto extremamente urgente no mundo contemporâneo, outras hipóteses não tanto ortodoxas sobre os caminhos da educação podem ser levantadas.

Entre algumas dessas hipóteses que podemos aventar - e confesso que para mim é a mais próxima da verdadeira causa de tanto descaso e omissão - encontra-se aquela que alude às falhas opcionais e propositais; aquela que afirma que nossos sistemas de ensino, de comunicação e de informação estão (parafraseando Jordan) “ocultando” algo, e que esse algo não revelado poderia ser a chave para uma maior compreensão do mundo. E como, a partir de sua posse, poderíamos incontestavelmente nos libertar de um tipo de ignorância ou “analfabetismo” endêmico que nos aprisiona em grades subjetivas.


É correto também pensar que tal hipótese possa ser recebida pela maioria como mais uma “teoria da conspiração”. Porém, isso seria bastante esperado já que, de uma forma ou de outra, os sistemas citados acima estão perpetuamente alimentando-nos e se retroalimentando com as mesmas tolices muito bem planejadas, muito bem programadas para, desde crianças, nos robotizar e nos afastar de certos “conhecimentos”. Tratar de assuntos que estão fora da agenda previamente aprovada passa então a ser objeto de descaso, de desatenção e muitas vezes de desdém.
Isso me faz lembrar uma história que li uns anos atrás no livro “Desregulagens – Educação, Planejamento e Tecnologia como Ferramenta Social”, de Laymert Garcia dos Santos[1]. Em determinado capítulo, o autor faz referência a uma convenção ou congresso sobre o tema educação, realizada em inícios dos anos 70, no Rio de Janeiro, onde dela participaram autoridades ligadas ao regime militar, ao clero e às redes de rádio e televisão brasileiras, assim como autoridades da cultura e educação nacional daquela época. O que mais chama a atenção do autor é que o nome do encontro seria o mais sugestivo possível para o momento político do país: “A Educação Que Nos Convém”. Bastaria então apenas perguntar: a quem a educação ali discutida poderia mais convir?
É a esse tipo de planejamento, já poderia adiantar: mal intencionado, a que me refiro, quando observo a total falta de interesse daquele ou de qualquer outro governo, mídia, etc, em promover pelo menos um debate decente sobre a importância da formação visual de nossos jovens, crianças e profissionais.
Pois então, voltando a refletir sobre as causas desse já citado descaso, confesso que me encontro hoje completamente certificado de que elas têm origem em atos propositais e que estão diretamente ligadas à negativa de nos proporcionar a aventura da nossa capacidade de entender os signos, sinais e símbolos que nos rodeiam, cuja linguagem não podemos entender conscientemente, dada a nossa ignorância contextual sobre o assunto, mas que afeta a todos inconscientemente.


Vejo que é nesse exato ponto que precisamos, com grande urgência, não mais apontar os culpados, pois que já os conhecemos, mas trazer à tona a discussão sobre o assunto e, se possível, trabalhar a fim de, pelo menos, remediar algo tão importante para nossas vidas.
Costumo também lembrar aos que se me achegam, sempre que, é claro, a oportunidade permite, que esse tipo de programa - o de alienação sistemática - já foi executado de diversas formas e em vários momentos no Brasil. Da década de 60 em diante, o ensino do latim e do grego no ensino básico foi displicentemente banido; o de filosofia, relegado apenas à história do pensamento ocidental e não ao aprofundamento do exercício do questionamento; e o da epistemologia, levado a se tornar apenas disciplina de enfeite nas universidades, na maioria das vezes sem exigência de obrigatoriedade, assim como, semelhantemente, as disciplinas voltadas à ética.
É óbvio que por trás disso, uma força qualquer tentava  - e, infelizmente, temo que tenha conseguido - tirar das nossas crianças e jovens o poder de conhecer o significado essencial das palavras. Pois, negando-se às pessoas o significado do radical ontológico do símbolo verbal, nega-se consequentemente seu significado original. Que validade então poderia ter um discurso feito com palavras não conhecidas em sua natureza primeva? Ou, que tipo de comunicação pode haver sem o conhecimento profundo do significado das palavras? Isso não lembra o atualíssimo e famigerado analfabetismo funcional?
Essa intervenção também subtrairia dos nossos jovens e adolescentes – na idade propícia, a idade do desenvolvimento emocional e mental – o poder do autoquestionamento. E por fim, dos nossos universitários e futuros profissionais e intelectuais da nação, a balança essencial da capacidade de perceber o valor ético do conhecimento técnico e como aplicá-lo em benefício da sociedade.

Alfabetismo visual

Pergunto afinal, se desde muito tempo também não nos foi negado o acesso ao alfabetismo visual. A resposta é óbvia! Apenas alguns iniciados têm o direito de receber certo nível de conhecimento. Geralmente, as escolas e cursos universitários de propaganda, comunicação, design, artes e marketing propiciam algum tipo de formação, mas não tudo. Tudo seria demais, até mesmo por se tratar de campo abstracional tão abrangente. A linguagem visual (seu estudo e compreensão) está impregnada em mais alto grau com a interdisciplinaridade. A semiótica, a fisiologia, a neurociência, a cognitiva, a psicologia, a estética e a linguística são algumas das matérias compositivas dessa constelação de saberes.


É necessário também entender que para todos aqueles que cumprem rituais criativos em suas respectivas atividades, tais como os designers de iluminação, a linguagem visual não é apenas mais uma disciplina. No meu entender, ela é a base onde se sustentam todos os processos de criação visual. Saber se expressar através da forma, cor, movimento, velocidade, etc. é fundamental para que o design de iluminação esteja científica e esteticamente fundamentado.
A partir da alfabetização verbal, qualquer um de nós é capaz de escrever qualquer tipo de texto e ser compreendido por outros; expressar ideias, sentimentos, emoções, anseios, etc. A partir da alfabetização visual também poderemos nos expressar e sermos “entendidos” com mais clareza. Claro que toda comunicação se baseia no entendimento e compartilhamento mútuo, de determinado conjunto de símbolos. Porém, no caso da linguagem visual, assim como na música, a expressão se dá em vias não totalmente e primariamente intelectuais, mas, sobretudo, sensoriais, através do choque entre as ondas vibratórias e o todo dos nossos órgãos sensíveis, mais a personalidade. Esses choques provocam reações nos sistemas físico e psicológico dos seres humanos, tornando-se “experiências da realidade” do ser.
Saber que uma forma pontiaguda, dentro de determinado contexto imagético, provoca algum tipo de reação sobre qualquer um de nós, é tão importante como saber que a quase totalidade dos seres humanos reage às cores quentes com o aumento da temperatura corporal. Essa comunicação entre os sistemas nervoso, endócrino, etc. dos seres humanos e os “veículos” materiais externos conscientemente aplicados é a pura manifestação do que podemos denominar de “linguagem”.
Se todo aquele que se comunica souber exatamente que tipo de reação espera do outro, mais provavelmente poderá ser “entendido”, para não dizer “dominante”. Vai daí então abordarmos e entendermos também a importância da ética na utilização adequada dessas técnicas. É natural que todos nós certamente somos senhores de nossas escolhas, mas faz-se mister - e deveríamos consequentemente - refletir com bastante cuidado, no sentido de que as nossas escolhas afetam a todos à nossa volta, inclusive e mais fortemente a nós mesmos.

Comunicação e percepção

Traçar paralelos entre a linguagem verbal e a linguagem visual pode não ser a melhor saída para que possamos entender como funciona a comunicação entre humanos. Através da linguagem verbal é possível pensar e refletir a própria linguagem verbal com muita acuidade. Já não é tão simples “pensar” a linguagem visual através e simplesmente utilizando-se somente a linguagem visual. Isso se dá porque o sistema de comunicação de uma não é o mesmo sistema de comunicação da outra. A linguagem verbal é “entendida” mais prontamente pela qualidade consciente de nossa mente, que é mais lógica, analítica, etc, para posteriormente ser “percebida” por nosso filtro de personalidade, liberando as sensações e emoções. Enquanto isso, a linguagem visual é “percebida” mais prontamente pela nossa qualidade mental subconsciente, intuitiva, abrangente, holística, etc. para posteriormente, se devidamente desperta e atenta, ser analisada e refletida pela qualidade consciente.


O perigo é que a maioria das pessoas não aprendeu a “ler” visualmente, a refletir conscientemente sobre o que está apreciando. A comunicação se dá então apenas no nível subconsciente. A partir daí, dependendo da força imagético/simbólica e do contexto no qual a mensagem está inserida, as reações do observador passarão de reações conscientes para reações autômatas ou automáticas, sem opção, puramente involuntárias. A frase popular mais famosa para definir esse estado de apatia e desconhecimento é: “beleza não se discute”. Como se ao ignorarmos as profundezas de determinado processo, estaríamos avançando na compreensão das coisas.
É possível entender a visão das pessoas, cujas atividades não se relacionam com a linguagem, por não aprofundarem-se sobremaneira nesses campos, por não procurarem saber ou estudar a linguagem visual. Mas não é admissível aceitar da mesma forma, que profissionais cujas atividades estão diretamente ligadas à criação de obras no tempo e espaço, ainda não se decidam a caminhar firmemente rumo à compreensão de algo tão fundamental à sua formação e atividade. Essa situação pode e deve ser alterada.

Uma nova série

É com esse intuito que peço licença ao leitor para iniciar uma nova série de artigos em tão conceituada revista, cujo tema principal será a linguagem visual e sua aplicação ao design de iluminação. Não tenho de forma alguma a pretensão de esgotar tema tão vasto, mas sim de contribuir de alguma forma para que os profissionais de iluminação brasileiros possam pelo menos adentrar esse universo tão fascinante.


Quando iniciei a série “Luz e Arte”, minha pretensão era levar o leitor a uma viagem ao mundo da arte da pintura, refazendo os caminhos criativos de alguns dos grandes mestres e trazer à tona os fundamentos de alguns dos mais importantes movimentos, ao mesmo tempo,traçar paralelos entre a arte pictórica e a arte da iluminação. Agora, permito-me convidar o leitor a encetar uma outra viagem. Desta vez, um pouco mais racional até. Uma viagem cujas paragens poderão se confundir ora com a psicologia, ora com a arte, ora com a fisiologia humana e outras disciplinas. Sabendo da responsabilidade dessa tarefa e conhecendo profundamente minhas limitações, peço ao leitor que julgue os textos não pela qualidade de sua retórica, mas principalmente pela simplicidade com que tentarei transmitir as ideias e pelo profundo sentimento de respeito a todos que, de certa forma, se obrigam a seguir em frente.

BIBLIOGRAFIA:
LAYMERT, G. Dos Santos. Desregulagens: educação, planejamento e tecnologia como ferramenta social. Campinas: Brasiliense – Fundação de Desenvolvimento da Unicamp, 1981.
FILHO, João Gomes. Gestalt do objeto. São Paulo: Escrituras, 2009.
Lúcia Santaella, Winfried Nöth. Imagem: Cognição, Semiótica, Mídia.  São Paulo: Iluminuras, 2008.
DONDIS, Donis A . Sintaxe da linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
RAMONET, Ignacio. Propagandas Silenciosas: Massas, Televisão, Cinema. São Paulo: Editora Vozes, 2002.
GUYTON, Arthur C. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S/A, 1969.




[1]    LAYMERT, G. Dos Santos. Desregulagens: educação, planejamento e tecnologia como ferramenta social. Campinas: Brasiliense – Fundação de Desenvolvimento da Unicamp, 1981.

Texto originalmente publicado na revista lume Arquitetura no. 49 - Abril/Maio 2011






Um comentário:

Vania disse...

Valmir, com certeza esta serie de artigos sera magica e muito inspiradora, como foram as outras!
Aguardo ansiosa!
Vania