O pesquisador e conferencista americano Jordan Maxwell costuma definir a
palavra “oculto”, dentro do contexto semântico das “ciências ocultas”, como
algo ou algum conhecimento que foi ocultado, e não como a maioria das pessoas
costuma pensar: como algo ou algum conhecimento que não pode ser revelado, dadas
a sua complexidade e ininteligibilidade.
É disso exatamente do que tratamos, quando passamos a refletir e
questionar sobre tema tão controverso como o da teoria ou teorias da linguagem
visual e sobre os meandros que permeiam suas sintaxes. No momento em que
observamos como, sistematicamente, nos é suprimido o direito de entender, pelo
menos basicamente, que a formação para a compreensão da linguagem visual é
assunto extremamente urgente no mundo contemporâneo, outras hipóteses não tanto
ortodoxas sobre os caminhos da educação podem ser levantadas.
Entre algumas dessas hipóteses que podemos aventar - e confesso que para
mim é a mais próxima da verdadeira causa de tanto descaso e omissão - encontra-se
aquela que alude às falhas opcionais e propositais; aquela que afirma que
nossos sistemas de ensino, de comunicação e de informação estão (parafraseando
Jordan) “ocultando” algo, e que esse algo não revelado poderia ser a chave para
uma maior compreensão do mundo. E como, a partir de sua posse, poderíamos
incontestavelmente nos libertar de um tipo de ignorância ou “analfabetismo”
endêmico que nos aprisiona em grades subjetivas.
É correto também pensar que tal hipótese possa ser recebida pela maioria
como mais uma “teoria da conspiração”. Porém, isso seria bastante esperado já
que, de uma forma ou de outra, os sistemas citados acima estão perpetuamente
alimentando-nos e se retroalimentando com as mesmas tolices muito bem
planejadas, muito bem programadas para, desde crianças, nos robotizar e nos
afastar de certos “conhecimentos”. Tratar de assuntos que estão fora da agenda
previamente aprovada passa então a ser objeto de descaso, de desatenção e
muitas vezes de desdém.
Isso me faz lembrar uma história que li uns anos atrás no livro
“Desregulagens – Educação, Planejamento e Tecnologia como Ferramenta Social”,
de Laymert Garcia dos Santos[1].
Em determinado capítulo, o autor faz referência a uma convenção ou congresso
sobre o tema educação, realizada em inícios dos anos 70, no Rio de Janeiro,
onde dela participaram autoridades ligadas ao regime militar, ao clero e às
redes de rádio e televisão brasileiras, assim como autoridades da cultura e
educação nacional daquela época. O que mais chama a atenção do autor é que o
nome do encontro seria o mais sugestivo possível para o momento político do
país: “A Educação Que Nos Convém”. Bastaria então apenas perguntar: a quem a
educação ali discutida poderia mais convir?
É a esse tipo de planejamento, já poderia adiantar: mal intencionado, a
que me refiro, quando observo a total falta de interesse daquele ou de qualquer
outro governo, mídia, etc, em promover pelo menos um debate decente sobre a
importância da formação visual de nossos jovens, crianças e profissionais.
Pois então, voltando a refletir sobre as causas desse já citado descaso,
confesso que me encontro hoje completamente certificado de que elas têm origem
em atos propositais e que estão diretamente ligadas à negativa de nos
proporcionar a aventura da nossa capacidade de entender os signos, sinais e
símbolos que nos rodeiam, cuja linguagem não podemos entender conscientemente,
dada a nossa ignorância contextual sobre o assunto, mas que afeta a todos
inconscientemente.
Vejo que é nesse exato ponto que precisamos, com grande urgência, não
mais apontar os culpados, pois que já os conhecemos, mas trazer à tona a
discussão sobre o assunto e, se possível, trabalhar a fim de, pelo menos,
remediar algo tão importante para nossas vidas.
Costumo também lembrar aos que se me achegam, sempre que, é claro, a
oportunidade permite, que esse tipo de programa - o de alienação sistemática - já
foi executado de diversas formas e em vários momentos no Brasil. Da década de
60 em diante, o ensino do latim e do grego no ensino básico foi
displicentemente banido; o de filosofia, relegado apenas à história do
pensamento ocidental e não ao aprofundamento do exercício do questionamento; e
o da epistemologia, levado a se tornar apenas disciplina de enfeite nas
universidades, na maioria das vezes sem exigência de obrigatoriedade, assim
como, semelhantemente, as disciplinas voltadas à ética.
É óbvio que por trás disso, uma força qualquer tentava - e, infelizmente, temo que tenha conseguido -
tirar das nossas crianças e jovens o poder de conhecer o significado essencial
das palavras. Pois, negando-se às pessoas o significado do radical ontológico
do símbolo verbal, nega-se consequentemente seu significado original. Que
validade então poderia ter um discurso feito com palavras não conhecidas em sua
natureza primeva? Ou, que tipo de comunicação pode haver sem o conhecimento
profundo do significado das palavras? Isso não lembra o atualíssimo e
famigerado analfabetismo funcional?
Essa intervenção também subtrairia dos nossos jovens e adolescentes – na
idade propícia, a idade do desenvolvimento emocional e mental – o poder do autoquestionamento.
E por fim, dos nossos universitários e futuros profissionais e intelectuais da
nação, a balança essencial da capacidade de perceber o valor ético do
conhecimento técnico e como aplicá-lo em benefício da sociedade.
Alfabetismo visual
Pergunto afinal, se desde muito tempo também não nos foi negado o acesso
ao alfabetismo visual. A resposta é óbvia! Apenas alguns iniciados têm o
direito de receber certo nível de conhecimento. Geralmente, as escolas e cursos
universitários de propaganda, comunicação, design, artes e marketing propiciam
algum tipo de formação, mas não tudo. Tudo seria demais, até mesmo por se
tratar de campo abstracional tão abrangente. A linguagem visual (seu estudo e
compreensão) está impregnada em mais alto grau com a interdisciplinaridade. A
semiótica, a fisiologia, a neurociência, a cognitiva, a psicologia, a estética e
a linguística são algumas das matérias compositivas dessa constelação de
saberes.
É necessário também entender que para todos aqueles que cumprem rituais
criativos em suas respectivas atividades, tais como os designers de iluminação,
a linguagem visual não é apenas mais uma disciplina. No meu entender, ela é a
base onde se sustentam todos os processos de criação visual. Saber se expressar
através da forma, cor, movimento, velocidade, etc. é fundamental para que o
design de iluminação esteja científica e esteticamente fundamentado.
A partir da alfabetização verbal, qualquer um de nós é capaz de escrever
qualquer tipo de texto e ser compreendido por outros; expressar ideias, sentimentos,
emoções, anseios, etc. A partir da alfabetização visual também poderemos nos
expressar e sermos “entendidos” com mais clareza. Claro que toda comunicação se
baseia no entendimento e compartilhamento mútuo, de determinado conjunto de
símbolos. Porém, no caso da linguagem visual, assim como na música, a expressão
se dá em vias não totalmente e primariamente intelectuais, mas, sobretudo,
sensoriais, através do choque entre as ondas vibratórias e o todo dos nossos
órgãos sensíveis, mais a personalidade. Esses choques provocam reações nos
sistemas físico e psicológico dos seres humanos, tornando-se “experiências da
realidade” do ser.
Saber que uma forma pontiaguda, dentro de determinado contexto imagético,
provoca algum tipo de reação sobre qualquer um de nós, é tão importante como
saber que a quase totalidade dos seres humanos reage às cores quentes com o
aumento da temperatura corporal. Essa comunicação entre os sistemas nervoso,
endócrino, etc. dos seres humanos e os “veículos” materiais externos conscientemente
aplicados é a pura manifestação do que podemos denominar de “linguagem”.
Se todo aquele que se comunica souber exatamente que tipo de reação
espera do outro, mais provavelmente poderá ser “entendido”, para não dizer
“dominante”. Vai daí então abordarmos e entendermos também a importância da
ética na utilização adequada dessas técnicas. É natural que todos nós
certamente somos senhores de nossas escolhas, mas faz-se mister - e deveríamos
consequentemente - refletir com bastante cuidado, no sentido de que as nossas
escolhas afetam a todos à nossa volta, inclusive e mais fortemente a nós
mesmos.
Comunicação e percepção
Traçar paralelos entre a linguagem verbal e a linguagem visual pode não
ser a melhor saída para que possamos entender como funciona a comunicação entre
humanos. Através da linguagem verbal é possível pensar e refletir a própria
linguagem verbal com muita acuidade. Já não é tão simples “pensar” a linguagem
visual através e simplesmente utilizando-se somente a linguagem visual. Isso se
dá porque o sistema de comunicação de uma não é o mesmo sistema de comunicação
da outra. A linguagem verbal é “entendida” mais prontamente pela qualidade
consciente de nossa mente, que é mais lógica, analítica, etc, para
posteriormente ser “percebida” por nosso filtro de personalidade, liberando as
sensações e emoções. Enquanto isso, a linguagem visual é “percebida” mais
prontamente pela nossa qualidade mental subconsciente, intuitiva, abrangente,
holística, etc. para posteriormente, se devidamente desperta e atenta, ser
analisada e refletida pela qualidade consciente.
O perigo é que a maioria das pessoas não aprendeu a “ler” visualmente, a
refletir conscientemente sobre o que está apreciando. A comunicação se dá então
apenas no nível subconsciente. A partir daí, dependendo da força
imagético/simbólica e do contexto no qual a mensagem está inserida, as reações
do observador passarão de reações conscientes para reações autômatas ou
automáticas, sem opção, puramente involuntárias. A frase popular mais famosa
para definir esse estado de apatia e desconhecimento é: “beleza não se
discute”. Como se ao ignorarmos as profundezas de determinado processo,
estaríamos avançando na compreensão das coisas.
É possível entender a visão das pessoas, cujas atividades não se
relacionam com a linguagem, por não aprofundarem-se sobremaneira nesses campos,
por não procurarem saber ou estudar a linguagem visual. Mas não é admissível
aceitar da mesma forma, que profissionais cujas atividades estão diretamente
ligadas à criação de obras no tempo e espaço, ainda não se decidam a caminhar
firmemente rumo à compreensão de algo tão fundamental à sua formação e
atividade. Essa situação pode e deve ser alterada.
Uma nova série
Quando iniciei a série “Luz e Arte”, minha pretensão era levar o leitor a
uma viagem ao mundo da arte da pintura, refazendo os caminhos criativos de
alguns dos grandes mestres e trazer à tona os fundamentos de alguns dos mais
importantes movimentos, ao mesmo tempo,traçar paralelos entre a arte pictórica
e a arte da iluminação. Agora, permito-me convidar o leitor a encetar uma outra
viagem. Desta vez, um pouco mais racional até. Uma viagem cujas paragens
poderão se confundir ora com a psicologia, ora com a arte, ora com a fisiologia
humana e outras disciplinas. Sabendo da responsabilidade dessa tarefa e
conhecendo profundamente minhas limitações, peço ao leitor que julgue os textos
não pela qualidade de sua retórica, mas principalmente pela simplicidade com
que tentarei transmitir as ideias e pelo profundo sentimento de respeito a
todos que, de certa forma, se obrigam a seguir em frente.
BIBLIOGRAFIA:
LAYMERT,
G. Dos Santos. Desregulagens: educação, planejamento
e tecnologia como ferramenta social. Campinas: Brasiliense – Fundação de
Desenvolvimento da Unicamp, 1981.
FILHO, João Gomes. Gestalt do objeto. São Paulo: Escrituras, 2009.
Lúcia Santaella, Winfried Nöth. Imagem: Cognição, Semiótica,
Mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008.
DONDIS, Donis A . Sintaxe da linguagem Visual. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
RAMONET, Ignacio. Propagandas Silenciosas: Massas, Televisão,
Cinema. São Paulo: Editora Vozes, 2002.
GUYTON, Arthur C. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara Koogan S/A, 1969.
[1] LAYMERT, G. Dos Santos. Desregulagens: educação, planejamento e tecnologia como
ferramenta social. Campinas: Brasiliense – Fundação de Desenvolvimento da
Unicamp, 1981.
Texto originalmente publicado na revista lume Arquitetura no. 49 - Abril/Maio 2011
Texto originalmente publicado na revista lume Arquitetura no. 49 - Abril/Maio 2011
Um comentário:
Valmir, com certeza esta serie de artigos sera magica e muito inspiradora, como foram as outras!
Aguardo ansiosa!
Vania
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