17 julho 2013

Ponto, linguagem e luz - Uma viagem ao interior da linguagem visual


 Meditar é uma das melhores coisas da vida. É através da meditação que, se quisermos e formos persistentes, podemos nos libertar dos labirintos e armadilhas da mente. Sim, vivemos constantemente com nossos canais de percepção eivados pelo “barulho”, pelo tumulto, pela bagunça do cotidiano. Como num poço ou num túnel escuro, vamos caminhando pela existência e perdendo lentamente a capacidade de reconhecer as coisas em sua totalidade, em sua essência. Perdemos por alguma razão a habilidade de nos mantermos “ligados” à vida íntima das coisas. O céu desaparece, é apenas o espaço acima de nós. O sol que nasce ou se põe, é apenas aquele astro luminoso que nos ofusca a visão da estrada; a chuva que cai mansa e agradável é apenas a confirmação da previsão do tempo.
Nas grandes cidades, as coisas se complicam ainda mais. Tudo é muito artificial. Se não fosse o verde do gramado do canteiro central da avenida, ou as árvores sufocadas pela poluição que descansam nos poucos jardins pelos quais passamos, poderíamos afirmar que já nos tornamos, definitivamente, máquinas de pensar e criar lucro. O homem do campo ainda se encontra um pouco protegido dessa farsa, da ilusão do “progresso”. Talvez por isso mesmo seu sentimento em relação à natureza ainda esteja mais preservado, sua capacidade de “sentir” as coisas naturais com mais acuidade ainda funcione e seu acesso ao subjetivo das coisas seja mais forte.
Mas quem pensa que a meditação é uma forma de esquecermos toda a bagunça que está lá fora, pode estar enganado. A meditação não é uma forma de dormir, uma fuga, mas uma forma de acordar. Meditar é desligar o rádio interior, aquela música chata, aquela frase feita, aquele sentimento rouco e insistente que fica dentro de nós. Meditar é silenciar a mente que raciocina, para perceber e sentir as coisas com mais vigor e verdade. É focar no vazio de onde tudo provem e deixar que o mundo se revele sem barreiras.
Muita gente medita e não sabe que o faz. Outras acreditam que para realizar esse exercício é preciso sentar sobre as pernas como os crentes hinduístas. Que é preciso estar num lugar tranquilo, longe de tudo, de preferência no alto da montanha ou numa ilha deserta. Meditar não é nada disso, embora isso também possa se dar com aqueles que nesses lugares meditam, mas isso não é absolutamente algo imperioso para que se dê a meditação. Meditar é simplesmente nos desligarmos daquilo que achamos que já achamos. Desligarmo-nos desse discurso repetitivo interior e ouvirmos esse insondável “silêncio” interno repleto de vida. É sair de dentro da máquina automática de sentir e pensar.
Em determinado momento, em determinado ponto, acabamos por perceber que estamos vendo as coisas de outra forma. Que estamos respirando, mas que sabemos que estamos respirando e como estamos desenvolvendo esse exercício vital. Que estamos vendo, mas que o que vemos não nos engana com as artimanhas das máscaras do passado. Sim, porque grande parte daquilo que vemos já vem carregado com a nossa predisposição, com os nossos preconceitos, com a nossa etiqueta construída no passado, num determinado momento que já se foi.
Note bem, isso é muito importante saber: porque esse determinado momento “determinou” que: a partir dali, iríamos achar que aquela coisa, ou fato, é desse ou daquele jeito, é de tal ou tal modo, é bom ou mal, etc e etc. Que a partir de um determinado desencadeamento de forças, escolhemos uma delas e nos apegamos para sempre.
Muitas das escolas de meditação ensinam o aspirante a focar o olhar em determinado ponto. Isso não é à toa. Quando focamos nosso olhar num determinado ponto, que pode ser tanto material, quanto conceptual, nossa mente se desliga, por assim dizer, de grande parte da “sujeira barulhenta” de pensamentos e emoções que carregamos para lá e para cá. Do fardo histórico que nós mesmos havemos criado. Realmente, ao focarmos nossa visão num ponto, passamos a ter maior equilíbrio interno e externo e determinar novos modos de “ver” as coisas que estão ao nosso redor.
Faça uma experiência: sem se apoiar em nada levante uma de suas pernas e vá passando os olhos rapidamente pelo ambiente onde você se encontra. Você verá que também rapidamente tenderá a perder o equilíbrio do corpo, até não conseguir mais se sustentar em pé.
Agora faça a mesma coisa: levante uma das pernas e foque seu olhar num determinado ponto do ambiente. Verá que seu equilíbrio melhora bastante. Sente até que poderia ficar nessa posição quanto tempo seu corpo aguentasse. Agora comece a passar os olhos rapidamente no ambiente como no exercício anterior, mas cada vez que olhar para determinada direção, foque num ponto por alguns instantes. Veja como a coisa muda e seu equilíbrio melhora. Não é legal isso? Aposto que você não vai mais perder o equilíbrio estando com uma perna só.
Mas porque o ponto? O que faz dessa “coisa” sem área, volume ou comprimento, como afirma a Geometria Euclidiana, que a determina apenas como uma posição no espaço, algo tão especial?
Porque essa abstração é necessariamente tão valiosa se, para a geometria analítica é apenas a intersecção de duas ou mais coordenadas?
Será mesmo que Aristóteles estava certo, quando determinou que o ponto é algo ilimitado e composto de infinitas partes? Mas composto de que partes? Essas partes são feitas de que?
Ora, se analisarmos com cuidado essas asserções, não encontraremos, por mais que nos esforcemos, nada sólido. Nenhuma poeirinha de algo que seja sólido. Nada mesmo. Ou seja, o ponto, na visão de todas essas teorias, é algo que não é nada!
Mas, por incrível que pareça, se você enfileirar algo que não é nada, ou deslocar esse nada em determinada direção durante determinado tempo, acaba construindo uma reta, que já é algo com uma dimensão, mas ainda não é corpóreo. Tem mais!
Se você usar esse algo que tem apenas uma dimensão, que é feita de um monte de nadas juntos ou em movimento, e juntar com mais duas, ou dobrá-la sobre si mesma, ou ainda colocá-las uma do lado da outra, você acaba tendo algo bem diferente: você acaba tendo um plano! Lembre-se porém, que isso ainda não é corpóreo, não tem profundidade. Mas não acaba por aí!
Se você juntar esse plano com mais alguns deles, em diferentes posições e direções, aí sim, aí você chegou lá, você encontrou a terceira dimensão! É onde você existe! É onde todas as coisas que você conhece e que são corpóreas e palpáveis existem! Não é muito interessante isso? Somos corpóreos, tangíveis, mas feitos de algo que é nada! Pelo menos é isso o que afirmam essas teorias.
É de admirar que algumas crianças de tenra idade que escutam essa história, acabam por ficar pensativas demais. Algumas podem acabar achando que os adultos são todos birutas, e com razão. Algumas vão acreditar, mas não vão entender; outras vão entender, mas não vão acreditar. Esse enigma perdura antes mesmo de Euclides, ou antes mesmo dos Faraós. Talvez seja o enigma mais velho do mundo. Provavelmente os Assírios e Babilônios já esquentavam a cuca com isso. Vai ver que é por isso que esse enigma também está presente em quase todas as religiões, pelo menos em todas as principais.
O ponto, que é o número um, é a essência incorpórea criadora. Também denominada pelos teólogos, místicos e ecléticos, de Deus, Alá, Jeova, Brâman.
É o Aleph Hebraico (א), o Alfa Grego (α). Dele ou disto, que é incorpóreo, nascem todos os universos. É a fonte absoluta, o Einsof dos Cabalistas, aquilo ou algo que transcende qualquer definição. O inatingível, o insondável de onde tudo provem.
Alguns físicos, dentre eles, atualmente, Nassim Haramein, procuram provar que o ponto é o buraco negro; um universo em si onde, de fora, não vemos a luz, porque devido à força gravitacional interna, ela se curva num espaço-tempo contínuo. De fora, não vemos a luz do buraco negro porque ela está presa pela força gravitacional. Ela não consegue escapar. Os habitantes que vivem no interior desses universos (porque segundo ele são infinitos) olham para os céus à noite e só veem a escuridão de uma luz que existe, mas não pode ser vista. Tal como nós quando observamos a luz que vem de uma fonte e não vemos o seu rastro, o seu caminhar. A não ser que algo físico, como a fumaça ou a neblina, nos indique de onde provém.
Para esses caras que concordam com isso, a única realidade que existe e onde os observadores existem é o ponto. Isso parece por vezes muito comum aos sistemas de crenças orientais e ocidentais, porque os pontos estão dentro e fora. Existem pontos dentro de pontos e por aí vai. Dizem que nosso universo de fora e de dentro é holográfico. Encontramos essa teoria na chamada “Tábua de Esmeralda”. Texto que deu origem à Alquimia Islâmica, cujas ideias são atribuídas a Hermes Trimegisto. Aquele que diz que “o que está em cima é semelhante ao que está embaixo.”
Não tão radicais como Haramein, a maioria dos físicos teóricos, ou, pelo menos os que acreditam nas teorias do Big Bang, afirmam que nosso universo é criado a partir de uma grande explosão num ponto, onde, em seu interior, as leis físicas que conhecemos são inválidas. Essa explosão acontece a partir desse ponto cuja realidade não pode ser verificada. Numa coisa que denominam de “singularidade”. Isso não nos parece muito próximo também do que afirmam os teólogos das principais religiões?


O um, que é o ponto solitário, também é a força positiva que impregnou o binário feminino para a construção do TODO. O ponto em movimento cria a dimensão da reta que impregna o feminino material. A primeira letra Hebraica, Aleph (fig. 01), cujo símbolo lembra exatamente isso, alude também à trindade: duas formas ligadas por uma terceira central. O pai (espírito) impregna a mãe (universo material), para a criação do filho.


 Fig. 01
Mas o ponto também tem, mesmo que subjetivamente, uma concepção ontológica formal, circular. O círculo, desde tempos milenares, é por sua vez o símbolo da criação, O Símbolo da divindade, o todo que sustenta a si mesmo, sem ângulos, que tudo abarca.
À nossa volta, o círculo, a forma arredondada é a naturalmente mais abundante. Nas palavras de Dondis:

Na natureza, a rotundidade é a formulação mais comum, sendo que em estado natural, a reta ou o quadrado constituem uma raridade. Quando qualquer material líquido é vertido sobre uma superfície, assume uma forma arredondada, mesma que esta não simule um ponto perfeito. Quando fazemos uma marca, seja com tinta, com uma substancia dura ou com um bastão, pensamos nesse elemento visual como um ponto de referência ou um indicador de espaço. Qualquer ponto tem grande poder de atração visual sobre o olho, exista ele naturalmente ou tenha sido colocado pelo homem em resposta a um objetivo qualquer.”

Exatamente! O ponto é a referência, por isso não nos desequilibramos quando o focamos com nosso olhar. Por isso também, o ponto é, por princípio, a referência para se medir o espaço, ou seja, o espaço pode ser medido por dois pontos. O ponto é a unidade, a unidade de comunicação visual mais simples e mais funcional. O ponto determina a existência de algo onde antes nada existia. É a própria manifestação da criação. Manifestação primeiramente conceptual. Basta colocar um ponto sobre uma superfície para se criar um significado. Uma existência ontologicamente conceptual.
O simples ponto pode, ele mesmo, detonar a atenção, e é por isso que comunicadores visuais usam essa “entidade” visual quando necessitam chamar o observador para algum “ponto” conceitual específico.
Quando juntamos ou espalhamos alguns pontos sobre uma superfície, estamos criando algo ainda mais complexo e grave, pois o nosso sistema de percepção visual tende a criar significados à simples visão desses conjuntos de pontos. Não existe nada no mundo, que seja visto por nós, que não obtenha de nós, algum significado. Entender isso é fundamental, principalmente para aqueles que desejam criar significados através da linguagem visual.

Os pontos também podem criar a ilusão visual de densidade (fig. 02).


 Fig. 02

Embora a densidade seja assunto por si mesmo bastante abrangente, não devemos deixar de passar aqui, pelo menos alguma pincelada sobre esse conceito, já que essa densidade criada pelo ajuntamento dos pontos não cria apenas a ideia de algo mais compacto, mas chega até mesmo a criar a ilusão de cor. Dondis observa que:

Quando vistos, os pontos se ligam, sendo, portanto, capazes de dirigir o olhar. Em grande número e justapostos, os pontos criam a ilusão de tom ou de cor (…) é o fato visual em que se baseiam os meios mecânicos para a reprodução de qualquer tom contínuo. O fenômeno perceptivo da fusão visual foi explorado por Seurat em seus quadros pontilhistas, de cor e tom extraordinariamente variados, ainda que ele só tenha utilizado quatro cores – amarelo, vermelho, azul e preto – e tenha aplicado a tinta com pincéis muito pequenos e pontiagudos. Todos os impressionistas exploraram os processos da fusão, contraste e organização, que se concretizavam nos olhos do espectador. Envolvente e estimulante, o processo era de alguma forma semelhante a algumas das mais recentes teorias de Macluhan, para as quais o envolvimento visual e a participação no ato de ver são parte do significado (…) A capacidade única que uma série de pontos tem de conduzir o olhar é intensificada pela maior proximidade dos pontos”1

Podemos notar ainda que, por motivos não apenas relacionados aos limites atuais da evolução tecnológica mas também por aspectos estéticos contemporâneos, grande parte dos sistemas de iluminação ainda se baseia em sistemas pontuais de emissão luminosa. Logo, faz-se mister conhecermos profundamente esses processos de linguagem criados pela utilização da imagem pontual.
Um ponto de luz em determinado ambiente, dependendo de seu posicionamento, cria “interesses” e “situações” de linguagem diferenciados. Cria comunicação de determinado tipo. Os lighting designers que projetam iluminação cênica acabam por aprender que além de conseguirem chamar a atenção do espectador para determinado lugar no espaço, ainda é possível direcionar o próprio “sentido” subjetivo do observador, mudar o significado daquilo que está sendo exposto, pela simples imposição de uma luz pontual.
A grosso modo, sem nos aprofundarmos ainda nas relações de direção, intensidade, cor, etc, ou seja, nas variadas propriedades da luz que poderíamos abarcar, isso pode ser conseguido quando entendemos que apenas um ponto - no caso, um foco de luz sobre um elemento cênico humano ou não - muda o significado do todo do espaço e desse elemento inserido dentro de um contexto dado, quando mudamos a sua posição no campo visual.
Um ponto perdido no espaço de qualquer campo visual, sem o constrangimento dos limites periféricos de uma forma que o circunda, revela um sentido maior de liberdade, ao mesmo tempo em que atrai mais o nosso olhar para a profundidade infinita de seu próprio interior. De modo diferente, quando restringido por diferentes linhas ou formas, altera não apenas o sentido subjetivo de si mesmo, como, do mesmo modo, o do conjunto.
Pensar em debater aqui caso a caso seria um absurdo, dada a infinitude dos problemas possíveis, mas alguns casos merecem pelo menos um comentário para que o leitor possa começar a perceber a importância da inclusão de um programa de estudos dessa sintaxe em seus projetos visuais de iluminação.
Observemos, então, como um determinado ponto colocado no centro geométrico de um quadrado nos transmite não somente a ideia, mas a sensação de equilíbrio e de resolução (fig. 03).


 Fig. 03

Ao deslocarmos esse ponto para o canto inferior direito desse mesmo quadrado (fig. 04), notaremos que uma espécie de desconforto se impõe, criando em nós a sensação de desequilíbrio do todo, como se algo estivesse forçando a figura principal a um determinado movimento; como também se o ponto estivesse forçando uma saída. A sensação de peso do conjunto também fica mais patente.


 Fig. 04

No caso do ponto se deslocar para o canto superior direito do quadrado (fig. 05), notaremos que isso nos provoca e nos faz sentir uma certa leveza no todo. O ponto parece estar flutuando, trazendo-nos a sensação de que uma força qualquer o sustenta no espaço. Existe o movimento, porém, agora, ele é mais tranquilo e mais leve. O peso é menor.


 Fig. 05

Num outro exemplo, percebemos que um ponto sobre uma linha horizontal (fig. 06) parece também estar flutuando no horizonte, enquanto o mesmo ponto sob a mesma linha, parece estar enterrado nesse horizonte. O conjunto agora nos parece mais pesado e lento do que o anterior.


  Fig. 06


 Em mais um exemplo ainda, notamos que um ponto ao pé de uma linha em posição vertical (fig. 08), além de parecer estar em repouso, parece também, quando mudamos o foco conceitual, que poderá ser chutado por essa linha a qualquer momento, enquanto que se esse ponto se deslocar para o alto da linha (Fig. 09), parecerá que está pendurado e que poderá ser rebatido pela linha, dependendo também do enfoque que propusermos ao conjunto.


 Fig. 08

 Fig. 09

Já, ao nos depararmos com um círculo perfeito, em cujo centro encontra-se um ponto (fig. 10), novamente nos vem a sensação de equilíbrio e de seguridade, mesmo sentindo que esse equilíbrio não é totalmente estático, que pode, ao menos, rotacionar. Diferentemente, quando esse ponto se desloca para a periferia do círculo (fig. 11), muda o sentido da frase visual, trazendo-nos a sensação de que algo está faltando como compensação para que o equilíbrio retorne, e, se houver rotação, ela terá seu momento angular alterado. Essa sensação acaba por causar uma espécie de tensão e desconforto no observador, como se algo precisasse ser resolvido. Como se algo estivesse “fora dos eixos”.


 Fig. 10


 fig. 11

O salto nos domínios da linguagem visual nos leva a descobrir o quanto podemos interferir nos espaços, mesmo que seja através de apenas um ponto de luz. Quanto mais e mais vamos entrando nesse universo, mais e mais nos tornamos projetistas conscientes, cujas obras serão definidas, por sua vez, por estágios de linguagens mais avançados. Ao imaginarmos que podemos construir não apenas frases visuais carregadas de tônus sensíveis, mas textos inteiros com significância complexa, teremos ao nosso dispor uma das ferramentas mais importantes de expressão.
Num enlace mais profundo, iremos notar que o conjunto dessas frases visuais, dentro de um determinado projeto, apenas poderá resultar em algo equilibrado e harmônico – o que poderemos denominar aqui de “sintaxe visual harmônica” – quando essas mesmas frases houverem sido criadas a partir de um conceito abstrato completo, abrangente e, certamente, coerente. Isso é o mesmo que dizer que determinada obra, com essas características únicas, deixaria de ser apenas um espaço contendo significado, para se tornar algo maior e mais rico, como um símbolo, em cujo interior se manifesta a complexidade de algo que vai além das simples resoluções técnicas de linguagem e de projeto.
Nunca é demais ressaltar que se essa linguagem provoca sensações e sentimentos nos observadores, é óbvio que o resultado final de um projeto acaba por se revelar através dos resultados dessas sensações e dos sentimentos que por sua vez ela evoca. Essas sensações e sentimentos, se criados através da utilização consciente dos signos visuais, tornam-se por demasiado importantes para não serem discutidos num projeto, ou seja, os profissionais da iluminação precisam levar em conta esses determinantes para que suas obras se impregnem de conteúdo artístico, subjetivo, sensível e, portanto, expressivo em mais alto nível.

(1) - DONDIS, Donis A . Sintaxe da linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Pag. 54.

BIBLIOGRAFIA

DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003
FILHO, João Gomes. Gestalt do Objeto – Sistema de Leitura Visual da Forma. São Paulo: Editora Escrituras, 2009
MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Wikipédia a Enciclopédia Eletrônica. http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal
WONG, Wucius. Princípios de Forma e de desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MEBES, G. O. Os Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo: Editora Pensamento, 1988.
LIMA, Mariana. Percepção Visual Aplicada a Arquitetura e Iluminação. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2010.

Texto originalmente publicado na Revista Lume Arquitetura nº 51


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24 junho 2013

A arquitetura do olhar - Discussões sobre a teoria Gestalt

A arquitetura do olhar
Discussões sobre a teoria Gestalt

 É quase consenso absoluto entre os cientistas, intelectuais, filósofos e artistas da atualidade, a inegável contribuição da teoria relativística1 de Albert Einstein, cujas premissas, alargaram a visão de praticamente todas as áreas do conhecimento. Porém, muitos dos conceitos da teoria foram e são utilizados para pregar uma espécie de relativismo cego, cujo fundamentalismo infiltra-se inescrupulosamente em todos os ramos do saber.
A ideia aceita por alguns de que o relativismo seja a chave última para a explicação de processos sofisticados externos e internos ao homem, não tem características religiosas, mas acabou se tornando uma crença equivocada, como tantas outras, na infalibilidade de algo que sempre está evoluindo, como a ciência. Mais ainda, trata-se de uma falha no reconhecimento de que algumas das premissas contidas tanto na teoria restrita como na teoria geral, não podem simplesmente ser aplicadas a determinadas situações e processos, alguns desses, inclusive, gerados por determinados princípios imutáveis dentro de seus respectivos universos físicos e conceptuais, ou seja, nem tudo é relativo em nosso universo exterior e interior.
Alguns desses princípios tratam, por exemplo, das limitações do sistema fisiológico humano, tais como os da audição e visão, os quais conseguem captar somente algumas faixas eletromagnéticas, nos proporcionando apenas contatos com algumas das realidades vibratórias que nos cercam. Outras não nos são acessíveis, como é o caso das micro-ondas, dos raios X, de sons que estão acima e abaixo da escala dos decibéis influenciadores do nosso sistema auditivo, e por aí vai.
De certa forma estamos fisiologicamente condenados e aprisionados dentro de determinados limites do ver, sentir, cheirar, ouvir, degustar, tocar, etc, condicionados biologicamente a contatar apenas uma restrita faixa da realidade total, não nos sendo permitido, pelo menos para a maioria de nós, vivenciar sensivelmente essas outras dimensões da existência universal.
Seria um absurdo, portanto, querer transferir para esses processos o mesmo sistema relativístico que explica, por exemplo, a diferença da massa e do fator tempo, observados durante uma experiência de bombardeios de partículas no interior de um acelerador como o LHC2, cuja velocidade pode chegar próximo à da luz. Nesse caso, a teoria explicaria e até mesmo poderia descobrir antecipadamente quais seriam os eventos futuros. Afirmar que eu ou você não enxergamos as cores de determinada frequência apenas por que não estamos dispostos a enxergá-las, seria um absurdo teórico. Não existe relatividade nisso; a relatividade aí se apresenta apenas enquanto “modo” de ver, ouvir, enfim, sentir, e não no fato biológico, da estrutura natural à disposição.
Algumas coisas não são relativas: são partes de processos e de leis naturais rígidas. Talvez, daqui a não sei quanto tempo, ao atingirmos outro estado de arte de nossa ciência, poderemos mudar a nossa cadeia genética a bel prazer, com o intuito de enxergar além e aquém da escala vibratória normal, mas isso é outra história. Mesmo assim, isso não seria algo natural, mas artificial.
Essa pequena introdução ao problema do relativismo e de suas abrangentes implicações e limites, visa apenas demonstrar que precisamos estar cientes de que enxergamos, ouvimos, ou seja, sentimos o mundo à nossa volta com “equipamentos” biológicos restritivos. Que , em função do modo como foram organizados biologicamente no decorrer das eras, hoje nos proporcionam captar o pulsar universal de determinadas formas, e não de outras. Mas não é só isso!
A característica fisiológica do cérebro humano com seus aproximadamente 100 bilhões de neurônios, suas ligações sinápticas e suas fibras protoplasmáticas, estão sistematicamente ordenados de tal forma que é impossível não atentar para o fato de que a própria estrutura formal, o próprio modelo arquitetônico do sistema nervoso seja responsável não somente pela “maneira” como se dão as trocas de comunicação e, portanto, da fenomenologia das atividades fisiológicas internas, mas também pelos padrões que esses comportamentos infligem à nossa maneira de organizar e reciclar o que captamos do mundo externo. Ou seja, nosso organismo tende a seguir certos padrões internos de comportamento pelo fato de ter evoluído através de processos que acabaram impulsionando nosso aparelho biológico para determinado caminho evolutivo. Seguindo essa linha de pensamento, Dondis afirma:

...captamos a informação visual de muitas maneiras. As forças perceptivas e cinestésicas da natureza fisiológica são vitais para o processo visual. Nossa maneira de permanecer em pé, de nos movermos, assim como de reagir à luz, à escuridão ou aos movimentos bruscos são fatores importantes para o nosso modo de perceber e interpretar mensagens visuais. Todas essas respostas são naturais e atuam sem esforços; não temos de estudá-las e nem aprender a dá-las”.3

Não há dúvida de que a psicanálise4 de Sigmund Freud5 seja talvez uma das obras mais geniais de todos os tempos, mas, como qualquer ramo do conhecimento, não poderia de uma só vez trazer à tona toda a verdade de algo tão complexo como a mente humana. Muitas outras teorias vieram em seguida refutar ou completar alguns de seus princípios, mas nunca se havia adentrado tão profundamente na fenomenologia da percepção humana como fizeram os precursores da Gestalt.
A escola de psicologia experimental Gestalt, também conhecida por Psicologia da Forma, surgiu na Europa em fins do século XIX. Segundo João Gomes Filho,

Considera-se que Christian von Ehrenfels, filósofo austríaco do século XIX, foi o precursor da psicologia Gestalt. Mais tarde, por volta de 1910, teve seu início mais efetivo por meio de três nomes principais: Max Wertheimer (1880/1943), Wolfgang Kohler (1887/1967) e Kurt Kofka (1886/1941), da universidade de Frankfurt.
O movimento gestaltista atuou principalmente no campo da teoria da forma, com contribuição relevante aos estudos da percepção, linguagem, inteligência, aprendizagem, memória, motivação, conduta exploratória e dinâmica de grupos sociais. Por meio de numerosos estudos e pesquisas experimentais, os gestaltistas formularam suas teorias acerca dos campos mencionados. A teoria da Gestalt, extraída de uma rigorosa experimentação, vai sugerir uma resposta ao porquê de muitas formas agradarem mais e outras não. Essa maneira de abordar o assunto vem opor-se ao subjetivismo, pois a psicologia da forma se apoia na fisiologia do sistema nervoso, quando procura explicar a relação sujeito-objeto no campo da percepção”. 6

A Gestalt ainda identificou que os processos mentais de associação não acontecem pontualmente, isoladamente, mas a excitação cerebral é abrangente; nada será desencadeado posteriormente ao que foi sentido. Quando observamos um objeto qualquer, o nosso órgão da visão trabalha na captação do todo. Não vemos coisas isoladas. Por exemplo, quando olhamos para uma cadeira, não identificamos primeiramente o acento, depois as pernas, depois o encosto e os braços. Nossa percepção visual é globalizadora. Isso nos permite saber que o objeto que observamos, seja ele da madeira, metal ou plástico; esteja ele de pé, de costas ou de cabeça para cima, é uma cadeira.
Ao identificarmos as coisas sem separar as partes que a compõem, estamos automaticamente atribuindo valores diferentes quanto ao todo e os seus componentes em separado. Sendo assim, podemos então afirmar que o todo sempre será mais do que apenas o conjunto de suas partes. Seu valor enquanto unidade é totalmente diferente quando visto e percebido separadamente Isso também explica porque somos enganados por aquilo que denominamos de “ilusão de ótica”. Algumas imagens enganam o nosso olhar, exatamente porque o nosso sistema visual e perceptivo sempre fará com que, para nós, o todo seja mais “importante” do que os seus componentes. O todo se transformará em algo único tendo apenas uma relação formal estrutural com suas partes componentes, mas não conceptual. Na figura 01, as linhas horizontais divisórias são paralelas entre si, e os paralelogramos pretos e brancos possuem todos a mesma dimensão e tamanho.
Ao observarmos a imagem, somos levados a ver figuras linhas não paralelas se aproximando ou se afastando nas extremidades opostas e paralelogramos assimétricos e de diferentes tamanhos.


Figura 01

Mas não é apenas enquanto percepção da forma que a teoria Gestal comprova com nitidez suas assertivas. Em relação ainda aos processos de percepção visual, somos levados por essa escola a entender que fenômenos - como o fator de fechamento - estão estritamente ligados à estrutura do sistema ótico e seus componentes, assim como pelo que denominam “forças internas de organização”. O fator de fechamento é aquele que nos possibilita perceber perfeitamente as formas, mesmo complexas, somente ligando pontos ou linhas tracejadas como a mostrada na figura 02.


Figura 02

A teoria Gestalt analisa também as forças que regem a percepção do objeto visual. Essas forças foram divididas pelos gestaltistas em “internas” e “externas”. As forças externas são fruto da estimulação da retina pela luz. Descobriram então que a percepção é influenciada diretamente pelas condições de iluminação. Já as forças internas são aquelas responsáveis pela organização que determina como estruturamos o que vemos, e isso se explicaria pela própria natureza estrutural do cérebro físico.
A teoria Gestalt ainda, através do conjunto dos resultados de inúmeros experimentos e experiências, acabou por revelar alguns princípios internos de organização. O que são eles? São algumas constantes das forças internas, ou seja, constantes de ordenação e estruturação pelos quais se baseiam os processos da percepção. Os gestaltistas também as denominam de padrões, fatores ou leis de organização da forma perceptual. Esses princípios explicariam por que vemos da maneira como vemos. Os quatro princípios básicos são: o da tendência à estruturação, o da segregação figura-fundo, o da pragnância das formas e o da constância perceptiva.
O princípio de tendência à estruturação é aquele que afirma que sempre buscamos agrupar elementos próximos ou de características semelhantes. O da segregação figura-fundo determina que não podemos ver objetos se não pudermos separá-los da figura de fundo. Que sem o contraste eles não são percebidos. O princípio da pragnância afirma que percebemos mais facilmente formas mais simétricas, regulares, em equilíbrio, e também as formas simples.
Além desses princípios, poderíamos ainda somar mais duas constantes denominadas “constantes primárias”, que são as de unificação e segregação, sendo que

As forças de unificação agem em virtude da igualdade da estimulação. As forças de segregação agem em virtude da desigualdade de estimulação”. (FILHO 2009)7

Quando pensamos em unidades, temos que pensar obrigatoriamente em termos de contraste. Uma unidade só é possível ser reconhecida quando separada do plano de fundo ou de conjuntos de unidades. Percebemos, portanto, através das relações entre os diferentes elementos contidos no nosso campo visual, que quando algum elemento estabelecido num determinado conjunto de formas é mudado, toda a percepção desse conjunto é alterada. Tanto a percepção da forma quanto da cor segue essa lei. Claro que as resultantes serão diferentes para cada caso específico. Na figura 03, podemos observar claramente que tanto as relações formais são afetadas quanto a percepção da cor do elemento contrastante. O quadrado cinza central parecerá mais escuro sobre um fundo claro, e mais claro num fundo escuro, embora sejam os dois da mesma cor.


Figura 03

A percepção da cor também foi incansavelmente experimentada e analisada pelos gestaltistas. Fenômenos como o da constância das cores e o da cor negativa são alguns exemplos. Através dessa última comprovou-se indubitavelmente que a estrutura biológica humana busca sempre o equilíbrio das forças, no caso, o equilíbrio de funcionamento dos fotorreceptores. O fenômeno da cor negativa se dá quando determinados fotorreceptores de uma cor são fatigados durante um determinado período e acabam perdendo a habilidade de enviar informações corretas ao cérebro. Após fatigarmos um conjunto de nossos fotorreceptores com determinada cor, ao olharmos uma superfície branca, notaremos o aparecimento de sua cor complementar. Após o descanso desses fotorreceptores, a sensibilidade do sistema volta ao normal. O leitor poderá observar em si mesmo esse efeito com a seguinte experiência:
Olhar fixamente para o centro da figura 04 durante no mínimo 45 segundos. Após isso, olhar imediatamente para uma folha de papel em branco. O que se verá, é a mesma imagem, porém, com as cores complementares das que foram observadas anteriormente. Essa experiência prova não somente a teoria Gestalt sobre a busca de autorregulação do organismo, como também que os cones8, mais abrangentemente nossos órgãos da visão, evoluíram a partir da incidência da luz. Nosso cérebro foi capaz de evoluir seguindo a orientação do sistema aditivo de cores.










Figura 04

O termo Gestalt, cuja tradução pode ser figura, objeto ou forma é bastante amplo e contém muitos significados. O mais importante é o que remete ao “todo” como resultado da integração de seus componentes e não simplesmente como resultado da soma desses. O termo também vulgarizou-se como “boa forma” dentro das atividades do design.
A Gestalt também afirma que o os elementos que vemos são organizados naturalmente por nosso sistema perceptual de forma a fazer sentido e não serem percebidos apenas, como outras linhas de psicologia afirmavam: através de associações.
Ao nos depararmos com os fundamentos da teoria Gestalt, aproximamo-nos mais e mais do entendimento de como podemos realizar a comunicação visual em nossos projetos, de forma a seguirmos o caminho natural da percepção. Todo artista e projetista procura executar seu trabalho para ser entendido e compreendido, porém, ocorre muitas vezes que o universo formal da sua obra não atinge a percepção do observador de maneira efetiva, pois não foi levado em consideração exatamente o modo como o observador “lê” visualmente a obra.
Os designers, em geral, incluindo os de iluminação, precisam compreender, por exemplo, que enfileirar luminárias e focos de luzes, que são na verdade elementos visuais, não é apenas atividade estética, mas de comunicação e linguagem. Dentro de determinado universo formal, isso “significa” alguma coisa que necessariamente não é algo apenas sensível. Por que muitos designers colocam aquelas fileiras de nesgas de luzes verticais nas paredes dos espaços arquitetônicos? Porque é receita ou é linguagem? Se for linguagem, o que podemos representar visualmente no espaço através desse conceito formal? Será que estamos dizendo que ali existe uma continuidade no espaço? Poderíamos, por exemplo, usar recursos como esses para, usando as propriedades da luz, “escrever” mensagens visuais?
Eu acredito que isso seja possível e que o designer deve compor seus projetos não apenas como arte, como linguagem estética, mas procurar construir sistemas de comunicação de ideias. Através de procedimentos conscientes de construção de linguagem visual é que os designers de iluminação podem contribuir para que a função dos espaços seja preservada e afirmada.
Harmonia, desarmonia, sobreposição, clareza, simplicidade, profusão, coerência, incoerência, redundância, ambiguidade, fragmentação, distorção, diluição, sutileza, sequencialidade, ruído, etc. São técnicas da linguagem visual extremamente funcionais quando utilizadas de maneira adequada. Quando queremos diluir os objetos no espaço, por princípio temos que abrandar os aspectos contrastantes e continuados. Podemos realizar isso através dos sistemas de iluminação, criando a sensação de aconchego, de realidade onírica ou ilusória e outras muitas sensações ou sentimentos. Diferentemente da clareza, que proporciona um contato mais direto com os elementos de um espaço, aproximando o observador da realidade íntima do que está sendo observado.
Cabe ainda salientar que a importância do conhecimento das técnicas de criação de linguagens visuais não se resume apenas em criar sensações emocionais ou direcionamento psicológico do observador. Além do fato de que através das técnicas é possível mais facilmente encontrar soluções estéticas, ainda podemos contar com recursos visuais para aumento da inteligibilidade do espaço e de seus elementos, aumento da segurança desses espaços, conforto, etc.
Cabe ainda ressaltar que quando projetamos ainda estamos presos a sistemas de estruturação biológicos. Conhecê-los é não apenas importante para atingirmos o entendimento do outro, mas também o nosso próprio entendimento quanto às soluções escolhidas num projeto. Ainda citando Dondis:

(...) existe uma correspondência entre a ordem que o projetista escolhe para distribuir os elementos de sua “composição” e os padrões de organização desenvolvidos pelo sistema nervoso. Estas organizações, originárias da estrutura cerebral são, pois, espontâneas, não arbitrárias, independentemente de nossa vontade e de qualquer aprendizado”.9

Para concluir, é preciso esclarecer que o universo da linguagem visual é muito abrangente e, além dos princípios básicos contidos na teoria Gestalt, temos ainda que somar os aspectos culturais do observador. Culturas diversas evoluindo em diferentes ambientes desenvolvem, por sua vez, distintos processos de percepção e leitura dos elementos visuais.
Em algumas culturas tribais de determinados recantos africanos, existem povos que não possuem sequer palavras para diferenciar as cores azul e verde. Isso se dá porque eles não conseguem perceber essas cores como nós, ocidentais. Já entre os esquimós, é comum verificar que uma pessoa daquela cultura e local pode distinguir facilmente, numa planície gelada, mais de 10 tons de branco. Isso inclusive é extremamente importante para sua sobrevivência, enquanto se nós nos deparássemos com tal cenário, talvez não conseguíssemos distinguir nenhuma diferença cromática na vastidão ártica.
Portanto, criar comunicação visual é também pesquisar e criar cultura. As diferentes áreas do conhecimento, as quais procuramos adentrar, de alguma forma contribuem para uma percepção mais profunda da realidade. Mais holística, abrangente. O designer de iluminação, como pensam alguns, não é atividade cuja característica é a especialização mecânica, mas acima de tudo, como a arte, um conjunto de conhecimentos que visam determinados fins.
Quanto mais interação das partes entre si com o todo de um projeto, mais ele caminha para a harmonia. A Gestalt também afirma que essa busca pela beleza dos componentes estruturais de qualquer forma é também produto de evolução biológica. Estamos condenados a buscar sempre o mais belo. Nossos sentidos e órgãos são estruturados para isso. Literalmente, somos a própria busca da harmonia em pessoa.


1Teoria da Relatividade é a denominação dada ao conjunto de duas teorias científicas: a Relatividade Restrita (ou Especial) e a Relatividade Geral.
A Relatividade Especial é uma teoria publicada em 1905 por Albert Einstein, concluindo estudos precedentes do matemático francês Henri Poincaré e do físico neerlandês Hendrik Lorentz, entre outros. Ela substitui os conceitos independentes de espaço e tempo da Teoria de Newton pela ideia de espaço-tempo como uma entidade geométrica unificada. O espaço-tempo na relatividade especial consiste de uma variedade diferenciável de 4 dimensões: três espaciais e uma temporal (a quarta dimensão), munida de uma métrica pseudorriemaniana, o que permite que noções de geometria possam ser utilizadas. É nessa teoria, também, que surge a ideia de velocidade da luz invariante.
O termo especial é usado porque ela é um caso particular do princípio da relatividade em que efeitos da gravidade são ignorados. Dez anos após a publicação da teoria especial, Einstein publicou a Teoria Geral da Relatividade, que é a versão mais ampla da teoria, em que os efeitos da gravitação são integrados, surgindo a noção de espaço-tempo curvo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_relatividade. Wikipédia em 15/04/2011.

2 Grande Colisor de Hádrons (português brasileiro) ou Grande Colisionador de Hadrões (português europeu) (em inglês: Large Hadron Collider - LHC) do CERN, é o maior acelerador de partículas e o de maior energia existente do mundo. Seu principal objetivo é obter dados sobre colisões de feixes de partículas, tanto de prótons a uma energia de 7 TeV (1,12 microjoules) por partícula, ou núcleos de chumbo a energia de 574 TeV (92,0 microjoules) por núcleo. O laboratório localiza-se em um túnel de 27 km de circunferência, bem como a 175 metros abaixo do nível do solo na fronteira franco-suíça, próximo a Genebra, Suíça. http://pt.wikipedia.org/wiki/LHC. Wikipedia em 15/04/2011.

3DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 42.

4 Psicanálise é um campo clínico e de investigação teórica da psicologia desenvolvido por Sigmund Freud, médico neurologista vienense nascido em 1856 que se propõe à compreensão e análise do homem, compreendido enquanto sujeito do inconsciente e abrange três áreas: 1) um método de investigação da mente e seu funcionamento; 2) um sistema teórico sobre a vivência e o comportamento humano; 3)um método de tratamento psicoterapêutico. Essencialmente é, assim, uma teoria da personalidade e um procedimento de psicoterapia; a psicanálise, contudo, influenciou muitas outras correntes de pensamento e disciplinas das diversas ciências humanas, gerando uma base teórica para uma forma de compreensão da ética, da moralidade e da cultura humana.

5 Sigismund Schlomo Freud (6 de maio de 1856—23 de setembro de 1939), mais conhecido como Sigmund Freud, foi um médico neurologista austríaco e judeu, fundador da psicanálise. Freud nasceu em Freiberg, na época pertencente ao Império Austríaco; atualmente a região é denominada Příbor, na República Tcheca. http://pt.wikipedia.org/wiki/Freud. Wikipédia em 17/04/2011.

6FILHO, João Gomes. Gestalt do Objeto – Sistema de leitura Visual da Forma. São Paulo: Editora Escrituras, 2009. p. 18.

7FILHO, João Gomes. Gestalt do Objeto – Sistema de leitura Visual da Forma. São Paulo: Editora Escrituras, 2009 p. 20
8 Células fotorreceptoras responsáveis pela transformação da luz que chega à nossa retina em impulsos cerebrais as quais determinam a nossa visão e percepção das cores. Nota do autor.
9DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 58.

BIBLIOGRAFIA

DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
FILHO, João Gomes. Gestalt do Objeto – Sistema de leitura Visual da Forma. São Paulo: Editora Escrituras, 2009.
MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Wikipédia a Enciclopédia Eletrônica. http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal.

Artigo originalmente publicado na Revista Lume Arquitetura - edição n° 50


27 março 2013

Luz e Linguagem Visual - Um debate sobre a importância da capacidade de entender os signos, sinais e símbolos


O pesquisador e conferencista americano Jordan Maxwell costuma definir a palavra “oculto”, dentro do contexto semântico das “ciências ocultas”, como algo ou algum conhecimento que foi ocultado, e não como a maioria das pessoas costuma pensar: como algo ou algum conhecimento que não pode ser revelado, dadas a sua complexidade e ininteligibilidade.
É disso exatamente do que tratamos, quando passamos a refletir e questionar sobre tema tão controverso como o da teoria ou teorias da linguagem visual e sobre os meandros que permeiam suas sintaxes. No momento em que observamos como, sistematicamente, nos é suprimido o direito de entender, pelo menos basicamente, que a formação para a compreensão da linguagem visual é assunto extremamente urgente no mundo contemporâneo, outras hipóteses não tanto ortodoxas sobre os caminhos da educação podem ser levantadas.

Entre algumas dessas hipóteses que podemos aventar - e confesso que para mim é a mais próxima da verdadeira causa de tanto descaso e omissão - encontra-se aquela que alude às falhas opcionais e propositais; aquela que afirma que nossos sistemas de ensino, de comunicação e de informação estão (parafraseando Jordan) “ocultando” algo, e que esse algo não revelado poderia ser a chave para uma maior compreensão do mundo. E como, a partir de sua posse, poderíamos incontestavelmente nos libertar de um tipo de ignorância ou “analfabetismo” endêmico que nos aprisiona em grades subjetivas.


É correto também pensar que tal hipótese possa ser recebida pela maioria como mais uma “teoria da conspiração”. Porém, isso seria bastante esperado já que, de uma forma ou de outra, os sistemas citados acima estão perpetuamente alimentando-nos e se retroalimentando com as mesmas tolices muito bem planejadas, muito bem programadas para, desde crianças, nos robotizar e nos afastar de certos “conhecimentos”. Tratar de assuntos que estão fora da agenda previamente aprovada passa então a ser objeto de descaso, de desatenção e muitas vezes de desdém.
Isso me faz lembrar uma história que li uns anos atrás no livro “Desregulagens – Educação, Planejamento e Tecnologia como Ferramenta Social”, de Laymert Garcia dos Santos[1]. Em determinado capítulo, o autor faz referência a uma convenção ou congresso sobre o tema educação, realizada em inícios dos anos 70, no Rio de Janeiro, onde dela participaram autoridades ligadas ao regime militar, ao clero e às redes de rádio e televisão brasileiras, assim como autoridades da cultura e educação nacional daquela época. O que mais chama a atenção do autor é que o nome do encontro seria o mais sugestivo possível para o momento político do país: “A Educação Que Nos Convém”. Bastaria então apenas perguntar: a quem a educação ali discutida poderia mais convir?
É a esse tipo de planejamento, já poderia adiantar: mal intencionado, a que me refiro, quando observo a total falta de interesse daquele ou de qualquer outro governo, mídia, etc, em promover pelo menos um debate decente sobre a importância da formação visual de nossos jovens, crianças e profissionais.
Pois então, voltando a refletir sobre as causas desse já citado descaso, confesso que me encontro hoje completamente certificado de que elas têm origem em atos propositais e que estão diretamente ligadas à negativa de nos proporcionar a aventura da nossa capacidade de entender os signos, sinais e símbolos que nos rodeiam, cuja linguagem não podemos entender conscientemente, dada a nossa ignorância contextual sobre o assunto, mas que afeta a todos inconscientemente.


Vejo que é nesse exato ponto que precisamos, com grande urgência, não mais apontar os culpados, pois que já os conhecemos, mas trazer à tona a discussão sobre o assunto e, se possível, trabalhar a fim de, pelo menos, remediar algo tão importante para nossas vidas.
Costumo também lembrar aos que se me achegam, sempre que, é claro, a oportunidade permite, que esse tipo de programa - o de alienação sistemática - já foi executado de diversas formas e em vários momentos no Brasil. Da década de 60 em diante, o ensino do latim e do grego no ensino básico foi displicentemente banido; o de filosofia, relegado apenas à história do pensamento ocidental e não ao aprofundamento do exercício do questionamento; e o da epistemologia, levado a se tornar apenas disciplina de enfeite nas universidades, na maioria das vezes sem exigência de obrigatoriedade, assim como, semelhantemente, as disciplinas voltadas à ética.
É óbvio que por trás disso, uma força qualquer tentava  - e, infelizmente, temo que tenha conseguido - tirar das nossas crianças e jovens o poder de conhecer o significado essencial das palavras. Pois, negando-se às pessoas o significado do radical ontológico do símbolo verbal, nega-se consequentemente seu significado original. Que validade então poderia ter um discurso feito com palavras não conhecidas em sua natureza primeva? Ou, que tipo de comunicação pode haver sem o conhecimento profundo do significado das palavras? Isso não lembra o atualíssimo e famigerado analfabetismo funcional?
Essa intervenção também subtrairia dos nossos jovens e adolescentes – na idade propícia, a idade do desenvolvimento emocional e mental – o poder do autoquestionamento. E por fim, dos nossos universitários e futuros profissionais e intelectuais da nação, a balança essencial da capacidade de perceber o valor ético do conhecimento técnico e como aplicá-lo em benefício da sociedade.

Alfabetismo visual

Pergunto afinal, se desde muito tempo também não nos foi negado o acesso ao alfabetismo visual. A resposta é óbvia! Apenas alguns iniciados têm o direito de receber certo nível de conhecimento. Geralmente, as escolas e cursos universitários de propaganda, comunicação, design, artes e marketing propiciam algum tipo de formação, mas não tudo. Tudo seria demais, até mesmo por se tratar de campo abstracional tão abrangente. A linguagem visual (seu estudo e compreensão) está impregnada em mais alto grau com a interdisciplinaridade. A semiótica, a fisiologia, a neurociência, a cognitiva, a psicologia, a estética e a linguística são algumas das matérias compositivas dessa constelação de saberes.


É necessário também entender que para todos aqueles que cumprem rituais criativos em suas respectivas atividades, tais como os designers de iluminação, a linguagem visual não é apenas mais uma disciplina. No meu entender, ela é a base onde se sustentam todos os processos de criação visual. Saber se expressar através da forma, cor, movimento, velocidade, etc. é fundamental para que o design de iluminação esteja científica e esteticamente fundamentado.
A partir da alfabetização verbal, qualquer um de nós é capaz de escrever qualquer tipo de texto e ser compreendido por outros; expressar ideias, sentimentos, emoções, anseios, etc. A partir da alfabetização visual também poderemos nos expressar e sermos “entendidos” com mais clareza. Claro que toda comunicação se baseia no entendimento e compartilhamento mútuo, de determinado conjunto de símbolos. Porém, no caso da linguagem visual, assim como na música, a expressão se dá em vias não totalmente e primariamente intelectuais, mas, sobretudo, sensoriais, através do choque entre as ondas vibratórias e o todo dos nossos órgãos sensíveis, mais a personalidade. Esses choques provocam reações nos sistemas físico e psicológico dos seres humanos, tornando-se “experiências da realidade” do ser.
Saber que uma forma pontiaguda, dentro de determinado contexto imagético, provoca algum tipo de reação sobre qualquer um de nós, é tão importante como saber que a quase totalidade dos seres humanos reage às cores quentes com o aumento da temperatura corporal. Essa comunicação entre os sistemas nervoso, endócrino, etc. dos seres humanos e os “veículos” materiais externos conscientemente aplicados é a pura manifestação do que podemos denominar de “linguagem”.
Se todo aquele que se comunica souber exatamente que tipo de reação espera do outro, mais provavelmente poderá ser “entendido”, para não dizer “dominante”. Vai daí então abordarmos e entendermos também a importância da ética na utilização adequada dessas técnicas. É natural que todos nós certamente somos senhores de nossas escolhas, mas faz-se mister - e deveríamos consequentemente - refletir com bastante cuidado, no sentido de que as nossas escolhas afetam a todos à nossa volta, inclusive e mais fortemente a nós mesmos.

Comunicação e percepção

Traçar paralelos entre a linguagem verbal e a linguagem visual pode não ser a melhor saída para que possamos entender como funciona a comunicação entre humanos. Através da linguagem verbal é possível pensar e refletir a própria linguagem verbal com muita acuidade. Já não é tão simples “pensar” a linguagem visual através e simplesmente utilizando-se somente a linguagem visual. Isso se dá porque o sistema de comunicação de uma não é o mesmo sistema de comunicação da outra. A linguagem verbal é “entendida” mais prontamente pela qualidade consciente de nossa mente, que é mais lógica, analítica, etc, para posteriormente ser “percebida” por nosso filtro de personalidade, liberando as sensações e emoções. Enquanto isso, a linguagem visual é “percebida” mais prontamente pela nossa qualidade mental subconsciente, intuitiva, abrangente, holística, etc. para posteriormente, se devidamente desperta e atenta, ser analisada e refletida pela qualidade consciente.


O perigo é que a maioria das pessoas não aprendeu a “ler” visualmente, a refletir conscientemente sobre o que está apreciando. A comunicação se dá então apenas no nível subconsciente. A partir daí, dependendo da força imagético/simbólica e do contexto no qual a mensagem está inserida, as reações do observador passarão de reações conscientes para reações autômatas ou automáticas, sem opção, puramente involuntárias. A frase popular mais famosa para definir esse estado de apatia e desconhecimento é: “beleza não se discute”. Como se ao ignorarmos as profundezas de determinado processo, estaríamos avançando na compreensão das coisas.
É possível entender a visão das pessoas, cujas atividades não se relacionam com a linguagem, por não aprofundarem-se sobremaneira nesses campos, por não procurarem saber ou estudar a linguagem visual. Mas não é admissível aceitar da mesma forma, que profissionais cujas atividades estão diretamente ligadas à criação de obras no tempo e espaço, ainda não se decidam a caminhar firmemente rumo à compreensão de algo tão fundamental à sua formação e atividade. Essa situação pode e deve ser alterada.

Uma nova série

É com esse intuito que peço licença ao leitor para iniciar uma nova série de artigos em tão conceituada revista, cujo tema principal será a linguagem visual e sua aplicação ao design de iluminação. Não tenho de forma alguma a pretensão de esgotar tema tão vasto, mas sim de contribuir de alguma forma para que os profissionais de iluminação brasileiros possam pelo menos adentrar esse universo tão fascinante.


Quando iniciei a série “Luz e Arte”, minha pretensão era levar o leitor a uma viagem ao mundo da arte da pintura, refazendo os caminhos criativos de alguns dos grandes mestres e trazer à tona os fundamentos de alguns dos mais importantes movimentos, ao mesmo tempo,traçar paralelos entre a arte pictórica e a arte da iluminação. Agora, permito-me convidar o leitor a encetar uma outra viagem. Desta vez, um pouco mais racional até. Uma viagem cujas paragens poderão se confundir ora com a psicologia, ora com a arte, ora com a fisiologia humana e outras disciplinas. Sabendo da responsabilidade dessa tarefa e conhecendo profundamente minhas limitações, peço ao leitor que julgue os textos não pela qualidade de sua retórica, mas principalmente pela simplicidade com que tentarei transmitir as ideias e pelo profundo sentimento de respeito a todos que, de certa forma, se obrigam a seguir em frente.

BIBLIOGRAFIA:
LAYMERT, G. Dos Santos. Desregulagens: educação, planejamento e tecnologia como ferramenta social. Campinas: Brasiliense – Fundação de Desenvolvimento da Unicamp, 1981.
FILHO, João Gomes. Gestalt do objeto. São Paulo: Escrituras, 2009.
Lúcia Santaella, Winfried Nöth. Imagem: Cognição, Semiótica, Mídia.  São Paulo: Iluminuras, 2008.
DONDIS, Donis A . Sintaxe da linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
RAMONET, Ignacio. Propagandas Silenciosas: Massas, Televisão, Cinema. São Paulo: Editora Vozes, 2002.
GUYTON, Arthur C. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S/A, 1969.




[1]    LAYMERT, G. Dos Santos. Desregulagens: educação, planejamento e tecnologia como ferramenta social. Campinas: Brasiliense – Fundação de Desenvolvimento da Unicamp, 1981.

Texto originalmente publicado na revista lume Arquitetura no. 49 - Abril/Maio 2011