CUBISMO E RELATIVISMO – UM SALTO NA DIMENSÃO DAS IDÉIAS
O QUANTO NÃO SABÍAMOS DE TUDO E MAIS UM POUCO
As idéias malucas de Albert
Naquela tarde de 1905, o jovem Albert voltava para sua casa, do escritório de patentes em Berna, na Suíça, carregado com uma estranha emoção. O trabalho de analista de projetos de engenharia não era o sonho que o jovem Albert acalentava, mas de certa forma, o emprego público lhe possibilitava algum tempo para suas pesquisas em física, sua paixão desde a tenra idade.
Ainda criança, seus mestres duvidavam das suas capacidades intelectuais, pois seu desenvolvimento se dava de modo moroso. Sentia muita dificuldade para se adaptar ás normas rígidas de ensino da época. Os professores, muito autoritários, forçavam seus alunos à memorização dos assuntos. Já o menino Albert preferia as matérias que exigiam a compreensão e o raciocínio, como a matemática, a geometria e a física. Muito desatento, chegou a ser suspenso da escola várias vezes. Realmente devia ser difícil para Albert conviver com tudo isso, como até hoje deve ser, para crianças cujas mentes são mais soltas, mais imaginativas.
Mas voltemos àquela tarde de 1905. Albert estava ansioso, mas estranhamente feliz. Parecia um menino que tinha descoberto um tesouro. Se suas teorias estivessem corretas, tudo o que até hoje os cientistas pensavam sobre o universo talvez não fosse verdade, ou talvez fossem verdades relativas. Tudo o que até hoje se havia pensado sobre tempo, espaço, massa, energia e gravitação poderia ser refutado e repensado, e as conseqüências de suas novas idéias para os avanços da ciência e das sociedades eram ainda mais imprevisíveis.
Essas idéias tinham a ver com coisas que estávamos acostumados a pensar que eram verdadeiras há muito tempo. Todo mundo sabia que o tempo era igual para todo mundo, que ele vinha do passado, passava pelo presente e ia para o futuro. Mas Albert, aquele menino que não prestava atenção na lição do professor, mas prestava atenção em outras coisas mais “doidas”, havia descoberto que cada um de nós vivia num tempo diferente. Isso dependia de nossa velocidade, que éramos máquinas do tempo. Ainda não havíamos percebido isso porque nossas velocidades no dia a dia são muito pequenas, mas mesmo assim vivíamos em tempos diferentes. Se pudéssemos viajar a uma velocidade de um bilhão de quilômetros por hora dando algumas voltas no quarteirão, poderíamos parar vinte ou trinta anos depois. Mais ainda, que observadores distintos podiam ver o mesmo evento de maneiras diferentes. Isso com certeza ia de encontro a muitas formas de preconceito. Descobriu também que os eventos em nosso universo acontecem no que chamou de espaço-tempo contínuo, uma quarta dimensão intrínseca aos eventos, e que a gravidade passava a ser uma propriedade geométrica do espaço-tempo. Apenas a luz no vácuo tinha velocidade constante, mas se, por exemplo, passasse por um corpo do tamanho do nosso sol, seu movimento não seria mais retilíneo, mas curvo, pois,
“Não temos mais uma atração gravitacional entre os corpos, mas uma matéria que ao deformar o espaço-tempo permite que os objetos que estejam próximos à deformação sintam seu efeito. A órbita da Terra passa então a ser determinada, não pela atração Sol-Terra, mas pela deformação espaço temporal que esses corpos produziram ao seu redor. O espaço-tempo não pode mais ser visto como um recipiente vazio que pode ser preenchido da forma que quisermos, ele não é mais independente da matéria, mas está condicionado por ela. Assim, a geometria do espaço não é um a priori.”[1]
O observador – esse cara importante
Todas essas idéias também suscitavam outras ainda mais estranhas, pois se alguém estivesse num planeta há vinte mil anos-luz[2] de distância do nosso e pudesse nos observar de lá com uma espécie de telescópio, veria apenas alguns homens primitivos acendendo fogo com lascas de pedra. Esse observador não veria o nosso presente, mas o nosso passado distante. Esse observador certamente nos acharia ainda muito atrasados tecnologicamente, bichinhos tentando sobreviver num mundo primitivo. Isso acontece também conosco. Quando olhamos para o céu em noites estreladas, vemos um céu velho, um céu do passado. As estrelas e planetas que vemos já não estão mais ali. Muitas delas inclusive já desapareceram. Até o nosso sol não está mais ali quando o vemos durante o dia, já que a luz desse astro demora mais ou menos oito minutos e vinte segundos para chegar até nós. O que vemos também é um sol do passado.
O jovem Albert Einstein, o menino que se encantava com livros de geometria e adorava tocar violino, nos ensinou muito mais do que isso. Ensinou que o que hoje temos como verdades absolutas podem ser na verdade um grande engano. Que diferentes pessoas em lugares diferentes podem estar corretas, mesmo assistindo eventos iguais. Isso nos devia tornar mais humildes e mais amorosos com as idéias de nossos semelhantes, mas de fato, a história veio provar que demoramos demais para aprender essas lições. Elas ainda nem são ensinadas na maioria de nossas escolas, apesar de fazer mais de cem anos que suas teorias foram escritas e comprovadas.
Mas não foram apenas as idéias de Einstein que contribuíram para nos mostrar tudo isso. Em outro país não muito distante, alguns jovens também tinham idéias parecidas e fizeram uma verdadeira revolução no modo como veríamos as coisas em nosso mundo, principalmente como veríamos a arte. Dentre esses jovens, o que mais se destacou foi um espanhol, cujo nome mais parecia um tratado de genealogia. Seu nome completo era Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santissima Trinidad Ruiz y Picasso, muito mais conhecido entre nós como Pablo Picasso.
O perigo de novos paradigmas
A idéia de demonstrar a passagem do tempo na pintura já era um pouco antiga. Quando Monet pintava o mesmo tema em várias horas do dia, pensava já em aprisionar esse tempo e, ao mesmo tempo, transformar sua pintura numa obra dinâmica, que contivesse a idéia de temporalidade da vida real que se observa no dia a dia. O tempo era considerado como parte integrante do espaço. Esse exercício era muito comum entre os impressionistas. A luz era seu objeto de estudo, assim como a maneira como enxergávamos o mundo através dessa sucessão de eventos no tempo.
Nessa época, lá pelos fins do séc. XIX, artistas também estavam preocupados em fazer uma arte que tivesse uma função também social, já que,
“A exigência de se desenvolver a funcionalidade da arte se inclui na tendência geral da sociedade, já totalmente envolvida no ciclo econômico de produção e consumo, em realizar a máxima funcionalidade. Os artistas querem participar na demolição das velhas hierarquias estáticas de classes e no advento de uma sociedade funcional sem classes. Suas pesquisas se incluem no processo rumo a uma ordem democrática da sociedade, na história da luta das forças progressivas contra as forças conservadoras.” (ARGAN 2002)[3]
Esses homens buscavam se opor à perda de decisão e liberdade que existiam no trabalho artesanal, e haviam sido aniquiladas pela industrialização. Nas palavras de Carl Marx, isso havia criado a alienação dos indivíduos. Os artistas então trabalhavam no sentido de valorizar o indivíduo e seu trabalho. A arte tendia a ser a bandeira de luta que mostraria a importância da renovação da realidade. Com isso, ela passa por uma transformação peculiar, onde já não apresenta características apenas de representação, mas também de funcionalidade. A arte tinha então nessa época duas escolhas: ou se tornaria um modelo de operação criativa, contribuindo dessa forma para a desalienação, ou compensaria essa alienação fora da atividade industrial, favorecendo a recuperação das energias criativas.
É nesse momento que o cubismo de Picasso e Braque assume um papel fundamental, juntamente com a física de Einstein. Num mundo onde a energia criativa parece não ter valor comercial e industrial, tanto a maravilhosa intuição embutida no insigth que é a teoria da relatividade restrita, quanto nos desdobramentos da pintura cubista, que insinuam a visão da realidade por múltiplos ângulos e, portanto, de formas de leituras diferentes num mesmo tempo, passam a ser fortemente rechaçadas por sociedades calcadas em teorias estagnadoras e autoritárias. Algumas dessas teorias políticas, dentre elas o fascismo, o nazismo e mais tardiamente o Macartismo irão se contrapor não apenas à teoria da relatividade restrita e à pintura moderna, mas também aos seus criadores e precursores. Einstein e Picasso, além de espíritos geniais, eram ferrenhos combatentes dessas visões políticas, do militarismo e da escravização mental dos seres humanos pelas teorias da propaganda massificadora. Eles estavam certos, pois alguns anos depois o mundo verificaria por si mesmo os perigos do controle da mente por parte de regimes violentos que se instalariam na Europa e iriam provocar o conflito bélico mais sangrento da história da humanidade.
Cubismo – o que é em si mesmo
O cubismo é a pesquisa analítica sobre a estrutura funcional de uma obra de arte. Um quadro cubista é um mundo em quatro dimensões de lógica própria, pois, “Enquanto Monet pintou vários quadros para mostrar a temporalidade do espaço, Picasso colocou a simultaneidade, a junção espaço-tempo num único quadro. No "Les Demoiselles D’Avignon" a mulher agachada está representada simultaneamente de costas e de frente. Essa representação pode ser pensada como a projeção da quarta dimensão, já que para um mesmo observador vê-la de frente e costas necessitaria locomover-se entre dois pontos do espaço e isso levaria algum tempo. ”[4] Sua estrutura formal é a demonstração de que é possível enganar o tempo e que o espaço é definido pela matéria que contém, que lhe dá significado. O universo cubista, atenta seriamente contra as leis fundamentais do tempo/espaço conhecidos. Os elementos são vistos ao mesmo tempo de pontos de referência diferentes. São esses “observadores virtuais” que observam a tela cubista e criam mundos distintos da tridimensionalidade. A geometria euclidiana é transcendida pelo cubismo. O impacto que essas obras trouxeram aos mais tradicionais resquícios do objetivismo na arte, podem ser comparados aos mesmos impactos trazidos às ciências oficiais pelas idéias do jovem Albert. Picasso, Braque e Einstein lavaram os olhos do mundo das grossas manchas clássicas que nos impediam de ver um universo mais rico, mais vivo, mais complexo e belo. Refiro-me à Braque[5], porque nas palavras de Argan [6],
“A fase inicial do Cubismo, cèzanniana e analítica, é o resultado da primeira pesquisa de grupo na arte moderna; de 1908 a 1915, Picasso e Braque colaboram tão estreitamente que é difícil distinguir entre as obras de um e de outro.”
O cubismo ainda, na visão de seus precursores, tem um cunho essencialmente realista, mas não no sentido de imitar os aspectos do verdadeiro (“não se imita aquilo que se quer criar”, dirá Braque), mas no sentido de criar algo novo que dará origem a um objeto irredutível a qualquer outro, dotado de uma estrutura e funcionamento próprios. Um mecanismo mágico de mostrar como as coisas podem ser criadas. Para os cubistas, a forma é parte integrante da realidade do objeto e as técnicas de collage[7] se tornaram freqüentes. O cubismo elimina também a distinção entre pintura e escultura e contribui fortemente para a formação do princípio do funcionalismo arquitetônico.
A iluminação e o cubismo
Fazer paralelos entre a arte da iluminação e a arte cubista não parece fácil à primeira vista, mas se nos concentrarmos que o cubismo “funciona” a partir de certos preceitos, poderemos observar que lighting designers utilizam esses conceitos intuitivamente e bem mais do que possam conscientemente perceber. O cubismo, por exemplo, busca a eliminação da sucessão de planos, criando a ilusão de profundidade. E não é usando de técnicas e mecanismos parecidos, que designers elaboram projetos que enganam a vista e fazem com que nossa percepção do espaço se altere?
E quando projetamos a luz em determinados espaços, fazendo com que os objetos “encaixem” não apenas nas estruturas do ambiente, mas apesar de até mesmo deformá-los, os inserimos em um contexto visual, temático e arquitetônico, cuja busca é o da criação de “climas emocionais” advindos dessas relações, num todo maior que transmita ao observador expressividades diferentes?
Quando pensamos em projetos de iluminação que buscam valorizar objetos tridimensionais, como em museus e galerias, estamos também pretendendo “revelar” esses objetos à observadores com diferentes referenciais no espaço, portanto no tempo. Isso é característica essencial do cubismo. Criar uma leitura mais “real” desses objetos que, certamente, serão vistos e apreciados de variados ângulos em momentos diferentes, ou mesmo num mesmo instante, por observadores diferentes.
Ainda quando, através de sistemas de automação, criamos mudanças de sentido, direção e intensidades das luzes, fazendo com que objetos antes vistos de certa forma, com determinadas dimensões, texturas, mudem suas estruturas, formas, cores, brilhos etc. no tempo, estamos também usando e abusando de técnicas cubistas. Na iluminação cênica ou na iluminação de eventos, a transformação da luz em “matéria” tridimensional e em movimento, através da utilização de equipamentos inteligentes, projeção de imagens, juntamente com fumaça e neblina artificiais, cumprem aproximadamente o mesmo papel dos pigmentos nos quadros cubistas, onde a tinta possui uma realidade objetual por si própria, apresentando características mais “materiais”, mais sólidas.
Mas a meu ver, além dessas inferências e teorias que podemos suscitar entre a iluminação e a técnica cubista, alguns aspectos são mais importantes que outros, tais como o do estudo das relações da luz no espaço a partir de pontos de vista diferentes. Isso para mim é essencial num projeto e mostra até quanto estamos realmente preocupados em criar soluções baseados em beleza e conforto ambiental. Lembro-me de visitar uma exposição há alguns anos atrás, cujo projetista de iluminação de uma casa, havia colocado um equipamento com uma fonte de luz bastante agressiva no jardim. Essa luz criava um ambiente externo realmente impactante, mas os visitantes não conseguiam ficar muito tempo na sala de estar, pois o ofuscamento dessa fonte de luz externa não permitia. Mesmo com cortinas fechadas ainda tínhamos a sensação de estarmos num ambiente incômodo. A meu ver, esse projeto relegou exatamente o estudo cubista, dos diferentes pontos onde poderiam estar outros observadores que não naquele jardim.
Outra questão que me parece ainda mais urgente e que fica muito visível quando discutimos o universo cubista, é aquela que trata de como nossas escolas e academias, que estão ainda, de certa forma, investimento demasiadamente apenas no ensino das técnicas e teorias baseadas na razão e, salvo raras exceções, pouco se importando com a busca de uma educação que desperte o subjetivismo, a abstração e a imaginação. Estão repetindo fórmulas de transferência de conhecimento e relegando a segundo plano a tendência criativa inata dos seres humanos.
Certamente o jovem Einstein teria as mesmas dificuldades de relacionamento com o aprendizado se nascesse hoje e freqüentasse as nossas melhores instituições de ensino. Em épocas como a atual, onde as respostas estão todas prontas, onde nos parece que tudo acontece exatamente como planejado, onde o espaço crítico é ilusoriamente ofertado, conquanto não extrapole limites previamente demarcados. Onde sistemas globalizadores parecem acenar para um futuro monótono cuja única saída é também a globalização de mentes e anseios, urge pensarmos seriamente se não é chegada a hora de outros cientistas e artistas mostrarem novos caminhos á sociedade, pois, a teoria da relatividade e o cubismo foram rupturas não apenas na física e na arte clássicas, mas principalmente no modo como o espírito humano pode ser sábio, belo e imaginativo. Também confio seriamente que lighting designers, arquitetos, ou quaisquer outros profissionais não deveriam se deixar levar apenas pela razão em seus projetos, mas abrir espaço para a intuição, para o vagar da mente, para os dias de folga, para o relaxamento das tensões, para a felicidade. Tocar violino talvez não seja a melhor opção para a maioria, mas certamente foi para o Jovem Albert. Aquele menino simples que olhava as estrelas enquanto a maioria olhava para o chão.
“A imaginação é mais importante que o conhecimento”
Albert Einstein
O QUANTO NÃO SABÍAMOS DE TUDO E MAIS UM POUCO
As idéias malucas de Albert
Naquela tarde de 1905, o jovem Albert voltava para sua casa, do escritório de patentes em Berna, na Suíça, carregado com uma estranha emoção. O trabalho de analista de projetos de engenharia não era o sonho que o jovem Albert acalentava, mas de certa forma, o emprego público lhe possibilitava algum tempo para suas pesquisas em física, sua paixão desde a tenra idade.
Ainda criança, seus mestres duvidavam das suas capacidades intelectuais, pois seu desenvolvimento se dava de modo moroso. Sentia muita dificuldade para se adaptar ás normas rígidas de ensino da época. Os professores, muito autoritários, forçavam seus alunos à memorização dos assuntos. Já o menino Albert preferia as matérias que exigiam a compreensão e o raciocínio, como a matemática, a geometria e a física. Muito desatento, chegou a ser suspenso da escola várias vezes. Realmente devia ser difícil para Albert conviver com tudo isso, como até hoje deve ser, para crianças cujas mentes são mais soltas, mais imaginativas.
Mas voltemos àquela tarde de 1905. Albert estava ansioso, mas estranhamente feliz. Parecia um menino que tinha descoberto um tesouro. Se suas teorias estivessem corretas, tudo o que até hoje os cientistas pensavam sobre o universo talvez não fosse verdade, ou talvez fossem verdades relativas. Tudo o que até hoje se havia pensado sobre tempo, espaço, massa, energia e gravitação poderia ser refutado e repensado, e as conseqüências de suas novas idéias para os avanços da ciência e das sociedades eram ainda mais imprevisíveis.
Essas idéias tinham a ver com coisas que estávamos acostumados a pensar que eram verdadeiras há muito tempo. Todo mundo sabia que o tempo era igual para todo mundo, que ele vinha do passado, passava pelo presente e ia para o futuro. Mas Albert, aquele menino que não prestava atenção na lição do professor, mas prestava atenção em outras coisas mais “doidas”, havia descoberto que cada um de nós vivia num tempo diferente. Isso dependia de nossa velocidade, que éramos máquinas do tempo. Ainda não havíamos percebido isso porque nossas velocidades no dia a dia são muito pequenas, mas mesmo assim vivíamos em tempos diferentes. Se pudéssemos viajar a uma velocidade de um bilhão de quilômetros por hora dando algumas voltas no quarteirão, poderíamos parar vinte ou trinta anos depois. Mais ainda, que observadores distintos podiam ver o mesmo evento de maneiras diferentes. Isso com certeza ia de encontro a muitas formas de preconceito. Descobriu também que os eventos em nosso universo acontecem no que chamou de espaço-tempo contínuo, uma quarta dimensão intrínseca aos eventos, e que a gravidade passava a ser uma propriedade geométrica do espaço-tempo. Apenas a luz no vácuo tinha velocidade constante, mas se, por exemplo, passasse por um corpo do tamanho do nosso sol, seu movimento não seria mais retilíneo, mas curvo, pois,
“Não temos mais uma atração gravitacional entre os corpos, mas uma matéria que ao deformar o espaço-tempo permite que os objetos que estejam próximos à deformação sintam seu efeito. A órbita da Terra passa então a ser determinada, não pela atração Sol-Terra, mas pela deformação espaço temporal que esses corpos produziram ao seu redor. O espaço-tempo não pode mais ser visto como um recipiente vazio que pode ser preenchido da forma que quisermos, ele não é mais independente da matéria, mas está condicionado por ela. Assim, a geometria do espaço não é um a priori.”[1]
O observador – esse cara importante
Todas essas idéias também suscitavam outras ainda mais estranhas, pois se alguém estivesse num planeta há vinte mil anos-luz[2] de distância do nosso e pudesse nos observar de lá com uma espécie de telescópio, veria apenas alguns homens primitivos acendendo fogo com lascas de pedra. Esse observador não veria o nosso presente, mas o nosso passado distante. Esse observador certamente nos acharia ainda muito atrasados tecnologicamente, bichinhos tentando sobreviver num mundo primitivo. Isso acontece também conosco. Quando olhamos para o céu em noites estreladas, vemos um céu velho, um céu do passado. As estrelas e planetas que vemos já não estão mais ali. Muitas delas inclusive já desapareceram. Até o nosso sol não está mais ali quando o vemos durante o dia, já que a luz desse astro demora mais ou menos oito minutos e vinte segundos para chegar até nós. O que vemos também é um sol do passado.
O jovem Albert Einstein, o menino que se encantava com livros de geometria e adorava tocar violino, nos ensinou muito mais do que isso. Ensinou que o que hoje temos como verdades absolutas podem ser na verdade um grande engano. Que diferentes pessoas em lugares diferentes podem estar corretas, mesmo assistindo eventos iguais. Isso nos devia tornar mais humildes e mais amorosos com as idéias de nossos semelhantes, mas de fato, a história veio provar que demoramos demais para aprender essas lições. Elas ainda nem são ensinadas na maioria de nossas escolas, apesar de fazer mais de cem anos que suas teorias foram escritas e comprovadas.
Mas não foram apenas as idéias de Einstein que contribuíram para nos mostrar tudo isso. Em outro país não muito distante, alguns jovens também tinham idéias parecidas e fizeram uma verdadeira revolução no modo como veríamos as coisas em nosso mundo, principalmente como veríamos a arte. Dentre esses jovens, o que mais se destacou foi um espanhol, cujo nome mais parecia um tratado de genealogia. Seu nome completo era Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santissima Trinidad Ruiz y Picasso, muito mais conhecido entre nós como Pablo Picasso.
O perigo de novos paradigmas
A idéia de demonstrar a passagem do tempo na pintura já era um pouco antiga. Quando Monet pintava o mesmo tema em várias horas do dia, pensava já em aprisionar esse tempo e, ao mesmo tempo, transformar sua pintura numa obra dinâmica, que contivesse a idéia de temporalidade da vida real que se observa no dia a dia. O tempo era considerado como parte integrante do espaço. Esse exercício era muito comum entre os impressionistas. A luz era seu objeto de estudo, assim como a maneira como enxergávamos o mundo através dessa sucessão de eventos no tempo.
Nessa época, lá pelos fins do séc. XIX, artistas também estavam preocupados em fazer uma arte que tivesse uma função também social, já que,
“A exigência de se desenvolver a funcionalidade da arte se inclui na tendência geral da sociedade, já totalmente envolvida no ciclo econômico de produção e consumo, em realizar a máxima funcionalidade. Os artistas querem participar na demolição das velhas hierarquias estáticas de classes e no advento de uma sociedade funcional sem classes. Suas pesquisas se incluem no processo rumo a uma ordem democrática da sociedade, na história da luta das forças progressivas contra as forças conservadoras.” (ARGAN 2002)[3]
Esses homens buscavam se opor à perda de decisão e liberdade que existiam no trabalho artesanal, e haviam sido aniquiladas pela industrialização. Nas palavras de Carl Marx, isso havia criado a alienação dos indivíduos. Os artistas então trabalhavam no sentido de valorizar o indivíduo e seu trabalho. A arte tendia a ser a bandeira de luta que mostraria a importância da renovação da realidade. Com isso, ela passa por uma transformação peculiar, onde já não apresenta características apenas de representação, mas também de funcionalidade. A arte tinha então nessa época duas escolhas: ou se tornaria um modelo de operação criativa, contribuindo dessa forma para a desalienação, ou compensaria essa alienação fora da atividade industrial, favorecendo a recuperação das energias criativas.
É nesse momento que o cubismo de Picasso e Braque assume um papel fundamental, juntamente com a física de Einstein. Num mundo onde a energia criativa parece não ter valor comercial e industrial, tanto a maravilhosa intuição embutida no insigth que é a teoria da relatividade restrita, quanto nos desdobramentos da pintura cubista, que insinuam a visão da realidade por múltiplos ângulos e, portanto, de formas de leituras diferentes num mesmo tempo, passam a ser fortemente rechaçadas por sociedades calcadas em teorias estagnadoras e autoritárias. Algumas dessas teorias políticas, dentre elas o fascismo, o nazismo e mais tardiamente o Macartismo irão se contrapor não apenas à teoria da relatividade restrita e à pintura moderna, mas também aos seus criadores e precursores. Einstein e Picasso, além de espíritos geniais, eram ferrenhos combatentes dessas visões políticas, do militarismo e da escravização mental dos seres humanos pelas teorias da propaganda massificadora. Eles estavam certos, pois alguns anos depois o mundo verificaria por si mesmo os perigos do controle da mente por parte de regimes violentos que se instalariam na Europa e iriam provocar o conflito bélico mais sangrento da história da humanidade.
Cubismo – o que é em si mesmo
O cubismo é a pesquisa analítica sobre a estrutura funcional de uma obra de arte. Um quadro cubista é um mundo em quatro dimensões de lógica própria, pois, “Enquanto Monet pintou vários quadros para mostrar a temporalidade do espaço, Picasso colocou a simultaneidade, a junção espaço-tempo num único quadro. No "Les Demoiselles D’Avignon" a mulher agachada está representada simultaneamente de costas e de frente. Essa representação pode ser pensada como a projeção da quarta dimensão, já que para um mesmo observador vê-la de frente e costas necessitaria locomover-se entre dois pontos do espaço e isso levaria algum tempo. ”[4] Sua estrutura formal é a demonstração de que é possível enganar o tempo e que o espaço é definido pela matéria que contém, que lhe dá significado. O universo cubista, atenta seriamente contra as leis fundamentais do tempo/espaço conhecidos. Os elementos são vistos ao mesmo tempo de pontos de referência diferentes. São esses “observadores virtuais” que observam a tela cubista e criam mundos distintos da tridimensionalidade. A geometria euclidiana é transcendida pelo cubismo. O impacto que essas obras trouxeram aos mais tradicionais resquícios do objetivismo na arte, podem ser comparados aos mesmos impactos trazidos às ciências oficiais pelas idéias do jovem Albert. Picasso, Braque e Einstein lavaram os olhos do mundo das grossas manchas clássicas que nos impediam de ver um universo mais rico, mais vivo, mais complexo e belo. Refiro-me à Braque[5], porque nas palavras de Argan [6],
“A fase inicial do Cubismo, cèzanniana e analítica, é o resultado da primeira pesquisa de grupo na arte moderna; de 1908 a 1915, Picasso e Braque colaboram tão estreitamente que é difícil distinguir entre as obras de um e de outro.”
O cubismo ainda, na visão de seus precursores, tem um cunho essencialmente realista, mas não no sentido de imitar os aspectos do verdadeiro (“não se imita aquilo que se quer criar”, dirá Braque), mas no sentido de criar algo novo que dará origem a um objeto irredutível a qualquer outro, dotado de uma estrutura e funcionamento próprios. Um mecanismo mágico de mostrar como as coisas podem ser criadas. Para os cubistas, a forma é parte integrante da realidade do objeto e as técnicas de collage[7] se tornaram freqüentes. O cubismo elimina também a distinção entre pintura e escultura e contribui fortemente para a formação do princípio do funcionalismo arquitetônico.
A iluminação e o cubismo
Fazer paralelos entre a arte da iluminação e a arte cubista não parece fácil à primeira vista, mas se nos concentrarmos que o cubismo “funciona” a partir de certos preceitos, poderemos observar que lighting designers utilizam esses conceitos intuitivamente e bem mais do que possam conscientemente perceber. O cubismo, por exemplo, busca a eliminação da sucessão de planos, criando a ilusão de profundidade. E não é usando de técnicas e mecanismos parecidos, que designers elaboram projetos que enganam a vista e fazem com que nossa percepção do espaço se altere?
E quando projetamos a luz em determinados espaços, fazendo com que os objetos “encaixem” não apenas nas estruturas do ambiente, mas apesar de até mesmo deformá-los, os inserimos em um contexto visual, temático e arquitetônico, cuja busca é o da criação de “climas emocionais” advindos dessas relações, num todo maior que transmita ao observador expressividades diferentes?
Quando pensamos em projetos de iluminação que buscam valorizar objetos tridimensionais, como em museus e galerias, estamos também pretendendo “revelar” esses objetos à observadores com diferentes referenciais no espaço, portanto no tempo. Isso é característica essencial do cubismo. Criar uma leitura mais “real” desses objetos que, certamente, serão vistos e apreciados de variados ângulos em momentos diferentes, ou mesmo num mesmo instante, por observadores diferentes.
Ainda quando, através de sistemas de automação, criamos mudanças de sentido, direção e intensidades das luzes, fazendo com que objetos antes vistos de certa forma, com determinadas dimensões, texturas, mudem suas estruturas, formas, cores, brilhos etc. no tempo, estamos também usando e abusando de técnicas cubistas. Na iluminação cênica ou na iluminação de eventos, a transformação da luz em “matéria” tridimensional e em movimento, através da utilização de equipamentos inteligentes, projeção de imagens, juntamente com fumaça e neblina artificiais, cumprem aproximadamente o mesmo papel dos pigmentos nos quadros cubistas, onde a tinta possui uma realidade objetual por si própria, apresentando características mais “materiais”, mais sólidas.
Mas a meu ver, além dessas inferências e teorias que podemos suscitar entre a iluminação e a técnica cubista, alguns aspectos são mais importantes que outros, tais como o do estudo das relações da luz no espaço a partir de pontos de vista diferentes. Isso para mim é essencial num projeto e mostra até quanto estamos realmente preocupados em criar soluções baseados em beleza e conforto ambiental. Lembro-me de visitar uma exposição há alguns anos atrás, cujo projetista de iluminação de uma casa, havia colocado um equipamento com uma fonte de luz bastante agressiva no jardim. Essa luz criava um ambiente externo realmente impactante, mas os visitantes não conseguiam ficar muito tempo na sala de estar, pois o ofuscamento dessa fonte de luz externa não permitia. Mesmo com cortinas fechadas ainda tínhamos a sensação de estarmos num ambiente incômodo. A meu ver, esse projeto relegou exatamente o estudo cubista, dos diferentes pontos onde poderiam estar outros observadores que não naquele jardim.
Outra questão que me parece ainda mais urgente e que fica muito visível quando discutimos o universo cubista, é aquela que trata de como nossas escolas e academias, que estão ainda, de certa forma, investimento demasiadamente apenas no ensino das técnicas e teorias baseadas na razão e, salvo raras exceções, pouco se importando com a busca de uma educação que desperte o subjetivismo, a abstração e a imaginação. Estão repetindo fórmulas de transferência de conhecimento e relegando a segundo plano a tendência criativa inata dos seres humanos.
Certamente o jovem Einstein teria as mesmas dificuldades de relacionamento com o aprendizado se nascesse hoje e freqüentasse as nossas melhores instituições de ensino. Em épocas como a atual, onde as respostas estão todas prontas, onde nos parece que tudo acontece exatamente como planejado, onde o espaço crítico é ilusoriamente ofertado, conquanto não extrapole limites previamente demarcados. Onde sistemas globalizadores parecem acenar para um futuro monótono cuja única saída é também a globalização de mentes e anseios, urge pensarmos seriamente se não é chegada a hora de outros cientistas e artistas mostrarem novos caminhos á sociedade, pois, a teoria da relatividade e o cubismo foram rupturas não apenas na física e na arte clássicas, mas principalmente no modo como o espírito humano pode ser sábio, belo e imaginativo. Também confio seriamente que lighting designers, arquitetos, ou quaisquer outros profissionais não deveriam se deixar levar apenas pela razão em seus projetos, mas abrir espaço para a intuição, para o vagar da mente, para os dias de folga, para o relaxamento das tensões, para a felicidade. Tocar violino talvez não seja a melhor opção para a maioria, mas certamente foi para o Jovem Albert. Aquele menino simples que olhava as estrelas enquanto a maioria olhava para o chão.
“A imaginação é mais importante que o conhecimento”
Albert Einstein
BIBLIOGRAFIA:
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo, SP: Editora Schwarcz, 2002.
REIS. J. C.;GUERR. A; BRAGA. M. Física e Arte: a construção do mundo com tintas, palavras e equações. Ciência e Cultura.http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S000967252005000300016&script=sci_arttext
CLARET, Martin. O Pensamento Vivo de Einstein. São paulo, SP: Editora Martin Claret, 1984.
HERMANN. O Poder Nu. São Paulo, SP: Rotterdan Editores Ltda, 1994.
WOLLHEIM, Richard. A Pintura como Arte. São Paulo, SP: Cosac & Naift Edições, 2002.
PALAU I FABRE, Josef. Picasso. Rio de Janeiro, RJ: Ao livro Técnico, 1981.
HOFFINGTON, Arianna Stassinopoulos. Picasso, criador e destruidor. São Paulo, SP, 1988.
[1] REIS. J. C.;GUERR. A; BRAGA. M. Física e Arte: a construção do mundo com tintas, palavras e equações. Ciência e Cultura
.http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S000967252005000300016&script=sci_arttext acesso em 02/05/2008.
[2] Ano-luz é a unidade de distância que astrônomos e cientistas utilizam para medir grandes distâncias no cosmos. Um ano luz equivale à distância percorrida na velocidade de 300.000.000 km/s durante um ano terrestre.
[3] ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo, SP: Editora Schwarcz, 2002. p 301.
[4] REIS. J. C.;GUERR. A; BRAGA. M. Física e Arte: a construção do mundo com tintas, palavras e equações. Ciência e Cultura
.http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S000967252005000300016&script=sci_arttext acesso em 05/05/2008.
[5] Georges Braque (Argenteuil, 13 de Maio de 1882 – Paris, 31 de Agosto de 1963) pintor e escultor francês que fundou o Cubismo juntamente com Pablo Picasso.
[6] Op. Cit. P. 302
[7] Técnica que os artistas utilizam através da colagem de papéis, pedaços de objetos, etc. na tela. Essa técnica destruía o preconceito de que a superfície de um quadro era um plano para além do qual se distinguia a invenção de um acontecimento: a pintura, a partir daí, é uma construção cromática sobre o suporte da superfície.
Artigo publicado originalmente na Revista Lume Arquitetura no. 32