Com o avanço técnico das soluções em iluminação das últimas décadas, pudemos observar uma revolução bastante efetiva no design de iluminação de interiores, exteriores, pública, museológica, de monumentos, etc.
Essa revolução tem como uma das principais características a busca de elementos estéticos e expressivos da luz cênica. Isso não foi gratuito, pois grande parte das lâmpadas, luminárias e equipamentos hoje utilizados na iluminação arquitetural tiveram seus desenhos inspirados nos equipamentos da iluminação cênica e em suas características ópticas, de movimento, trocas de cores, etc. que sempre possibilitaram um leque bastante variado de aplicações criativas sobre os palcos.
Desde então, e é claro, podemos supor que se, a performance técnica dessas ferramentas oferece condições amplas de aplicação estética da luz sobre os ambientes, certamente os designers de iluminação, que utilizam essas ferramentas, acabam se tornando artistas e co-criadores das obras arquiteturais. Dessa forma e muito provavelmente, desde essas últimas décadas do século passado e até o presente momento, estamos assistindo ao nascimento de novas formas de expressão artística ligadas á arquitetura e à luz, o que também certamente nos trará abertura para discussões mais amplas sobre essa nova arte.
Mas por que arte? Por que devemos conceber a iluminação cênica e, consequentemente a iluminação arquitetural, como arte, e seus designers como artistas? Serão verdadeiras essas afirmações apenas porque novas tecnologias estão á disposição desses profissionais, ou outras questões entram no jogo?
Para responder a essas e outras perguntas, devemos primeiramente tentar definir, mesmo que resumidamente, do que trata a arte. Como se dá sua mecânica, entrando um pouco em sua intimidade.
Segundo alguns teóricos, a arte pode ser dividida em três aspectos: arte como pensar, arte como conhecer e arte como exprimir. Esses aspectos ou concepções, ora se contrapõe, ora se combinam e aliam-se, ora se excluem mutuamente.
Sendo assim, podemos entender que é “arte do pensar” de como a luz e suas propriedades influenciam psicologicamente as pessoas através de suas manifestações e processos que se desenvolvem sobre os ambientes e palcos.
É “arte do conhecer”, pois, desenhistas de iluminação precisam saber claramente o que eles vêem no mundo real e como e porque as luzes se comportam de determinadas formas, suas propriedades físicas, etc.
É “arte do exprimir”, ou seja, de como esses artistas utilizam as técnicas e conhecimentos, suas ferramentas, etc. para materializarem suas obras, suas idéias e ideais.
Tudo isso também nos leva a pensar que podemos verdadeiramente denominar as atividades dos designers de iluminação e iluminadores como arte, exatamente porque essas atividades contém aspectos semelhantes a outras manifestações artísticas, como, por exemplo, as da pintura, pois, tanto a arte pictórica como a iluminação necessitam de suportes para que se dêem as suas materializações; realizam-se no espaço, inclusive a iluminação também no universo temporal; solicitam de seus criadores e executores conhecimentos técnicos e estéticos; são realizadas e construídas com o apoio e utilização de ferramentas e acessórios; exigem conhecimento de linguagem expressiva e, por fim ainda, a iluminação tanto pode ser ela mesma a própria obra, como elemento de apoio, participativo e interativo á outras.
Podemos ainda intuir que os artistas da luz dividem seu espaço e sua criação com outros artistas e meios de expressão em busca de uma obra coerente, harmônica, e são aqueles cujas obras estão ligadas a conceitos criativos não-repetitivos, intencionais, cujas funções são determinadas pelos seus momentos expressivos através da luz, e o design de iluminação, como sendo “a arte ou o trabalho manual de criação visual através da luz e suas propriedades”. Entre essas propriedades, podemos citar o brilho, a intensidade, a direção, o ângulo de incidência, a velocidade, a cor a textura, a forma, o volume, o tipo movimento, a duração, etc.
Artistas se utilizam dessas propriedades da luz para determinar espaços; evidenciar e ocultar; controlar o resultado visual das formas; modular o tempo; reforçar e criar “climas” emocionais; criar sensações de frio, calor, condições climatológicas, estados mentais, etc. aproximar e distanciar seres, objetos, etc.
Se então, como afirmamos anteriormente, as ferramentas e instrumentos de iluminação cênica, que possibilitam mais facilmente essas criações, tiveram seus conceitos transferidos para a iluminação arquitetural, fica obviamente claro que as aplicações estéticas também. Essa a influência maior que pode ser observada nos novos projetos. Uma abertura e liberdade maiores de expressão pelos designers de iluminação arquitetural. O que não ficou claro ainda é como isso está funcionando ou pode funcionar, pois, se os iluminadores cênicos possuem métodos de trabalho em suas criações expressivas, provavelmente esses métodos estão começando a ser utilizados pelos designers de iluminação de espaços arquitetônicos e, devem existir então paralelos visíveis e mesmo semelhantes nessas atividades.
Para facilitar nosso resumido estudo, dividi essas atividades em algumas etapas:
• Pesquisa – Levantamento das informações que determinarão as bases do processo criativo.
• Criação – É o processo criativo do artista em funcionamento. O desenvolvimento imagético de suas idéias e concepções visuais.
• Desenho – Expressão visual técnica e estética dos mecanismos de comunicação.
• Execução – A construção material da obra sobre os suportes com a utilização dos meios ferramentais.
• Operação – A obra quando expressa através de mecanismos de controle dessas ferramentas dentro de um determinado universo espetacular.
Na fase da pesquisa:
Essas pesquisas compreendem os levantamentos no interior do universo das técnicas, ferramentas e condições oferecidas para concretização dos trabalhos, assim como as pesquisas estéticas, visuais e do conjunto dos elementos participantes da obra.
Na fase da criação:
Que é o processo criativo em ação, onde se dá a utilização dos elementos da pesquisa na concepção estética da obra, a criação de esboços, onde entra a intuição criativa, as adaptações poéticas da obra para fins harmônicos, a utilização de ferramentas para criação de materiais de comunicação, e isso pode também se dar através softwares de simulação. É também, em muitos casos, a fase dos cálculos e adaptações e a busca pelas ferramentas e suportes ideais para materialização da obra.
Na fase da execução;
Nessa fase os designers executam os projetos, mas não as obras, que são executadas por outros profissionais. Esses projetos são mecanismos de comunicação entre as partes envolvidas na execução da obra. É também nessa fase que os designers definem os movimentos das luzes (quarta dimensão), acompanham a execução dos projetos e, em alguns casos, tais como o da iluminação cênica, podem ou não acompanhar as apresentações e suas repetições.
Para completar nossa análise, devemos compreender que, as atividades desenvolvidas pelos designers de iluminação cênica e os designers de iluminação arquitetural, embora bastante semelhantes, no que diz respeito aos processos, tornam-se muito diferentes e peculiares em aspectos mais objetivos. Para falar sobre isso, vou analisar rapidamente a luz nos espaços arquitetônicos em relação à luz sobre os palcos:
Na arquitetura: os personagens “são” o próprio público; os pontos de vista são complexos; as cenas cotidianas não seguem roteiros rígidos; os atores saem de cena apenas e quando deixam o “teatro”; a iluminação é operada pelos próprios atores (residências); os equipamentos compõem parte da “atmosfera” e da cenografia; a luz nos palcos, como na arquitetura, deve iluminar, mas ao mesmo tempo contribuir para a valorização das poéticas inseridas no todo da obra; A luz deve contribuir, na arquitetura, para o conforto ambiental.
Podemos também concluir que a influência da iluminação cênica na arquitetura surgiu das mudanças culturais profundas as quais vimos passando. De uns tempos para cá, nos tornamos culturalmente mais livres, fomos levados a dar maior importância às imagens em nossas vidas cotidianas, dessa forma, buscamos maior sentido expressivo para nossas vidas. Somos ensinados a comprar estilos de vida e não apenas produtos e vivemos num momento de busca por mudanças de paradigmas na arte, na filosofia, na religião, na ciência, etc.
Essas coisas, ou o próprio conjunto delas, provavelmente estejam também mudando o olhar das pessoas em relação à luz. Vivemos há um tempo atrás o mundo das máquinas, hoje vivemos o mundo dos robôs, das comunicações. Nesse novo mundo, a mim me parece, as cores, sons, formas, movimentos, etc. são muito mais rápidos, alucinantes, envolventes. Esse envolvimento, que é a essência do teatro, da performance cênica, pulsa agora nas ruas de nossas cidades, em nossas vidas diárias. Talvez por isso mesmo, a luz teatral, cênica, aquela que vem carregada de sentidos, esteja tomando o espaço da luz confortável, mais preocupada com o relaxamento e saúde das pessoas. Questiono muitas vezes se estamos tomando a estrada correta ao transformarmos nossas cidades em parques de diversão. Creio que o melhor, seria o uso equilibrado dessas novas tecnologias, para que as gerações futuras possam olhar para cima e ver as estrelas do céu.
O presente texto é um resumo de palestra com mesmo título ministrada no Seminaluz - 2007
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